São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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HARRY COLLINS
DA "NEW SCIENTIST"

A ciência não possui um método para distinguir entre o que possivelmente é valioso e o que é uma perda de tempo.
Um novo livro, "Forbidden Science: Suppressed Research That Could Change Our Lives" (Ciência Proibida: Pesquisas Suprimidas que Poderiam Mudar Nossas Vidas), de Richard Milton, descreve a maneira pela qual a grande ciência ortodoxa expulsa a ciência e a tecnologia estranha, maravilhosa, pequena e doidamente imaginativa.
Muitos exemplos de ciência e tecnologia bem-sucedida, como a luz elétrica e a turbina a vapor, foram inicialmente recebidos com dezprezo. É possível que boa parte daquilo que desprezamos hoje seja igualmente valioso.
Essa é a tese do livro, em resumo. Faz sentido muito do que Milton afirma. Na verdade, boa parte do que ele diz soa estranhamente familiar àqueles que já trabalharam com a história e a sociologia da ciência e da tecnologia nas duas últimas décadas.
Levando em conta que boa parte do que Milton diz faz sentido e que o livro contém uma série de histórias interessantes, ambos deveriam causar mais simpatia do que realmente fazem.
O material é distante demais das fontes; o argumento, demasiado indiscriminado; e a tese, fácil demais. Existem pelo menos tantas idéias heterodoxas quanto existem tolos, de modo que o problema não é uma questão de polêmica, mas de equilíbrio sutil.
Mas o livro tem muitos aspectos positivos. Milton começa com alguns relatos retumbantes de casos que, vistos em retrospectiva, foram tratados com estupidez total.
Ele nos conta que, durante cinco anos a partir de 1903, as afirmações feitas por Wilbur e Orville Wright de que haviam feito voar uma máquina mais pesada do que o ar foram tratados com escárnio pela revista científica "Scientific American", apesar de "dezenas de demonstrações públicas, atestados de dignatários locais e fotografias".
Aparentemente, a façanha dos Wrights era considerada cientificamente impossível e, por isso, suas evidências foram ridicularizadas.
Milton nos conta das repetidas tentativas fracassadas de Charles Parson (1854-1931) para convencer o almirantado de que sua turbina a vapor para mover navios tinha valor.
Seguiu-se outra série de erros crassos por parte dos senhores do almirantado: eles rejeitaram, entre outras coisas, o telégrafo elétrico e as quilhas de aço.
Thomas Edison (1847-1931) foi ridicularizado mesmo depois de ter se tornado um inventor famoso. Quando anunciou sua lâmpada de filamentos de alta resistência e demonstrou sua utilização numa exibição nas ruas, nenhum cientista foi assisti-la.
O químico Henry Morton, que vivia nas proximidades, escreveu que se sentia compelido a "protestar em nome da ciência verdadeira" que as experiências de Edison eram "um fracasso conspícuo, alardeado como maravilhoso sucesso".
Infelizmente, não é fornecida qualquer referência ou data exata para esta citação ou outras que a seguem, em muitas histórias semelhantes.
Milton é um jornalista científico, e o que falta a seus relatos é a sensibilidade do historiador. O historiador nos teria mostrado porque tantas pessoas estavam equivocadas.
O historiador teria reconstituído para nós o ponto de vista que levou as pessoas a cometerem estes "erros crassos e óbvios". O passado não é povoado por imbecis.
Quando a mensagem de Milton é transmitida do passado para o presente, a falta de sutileza resulta em fracasso ao encarar a dificuldade da discriminação.
O problema é como traçar uma linha divisória entre o que poderia valer a pena e o que é pura bobagem.
Milton está com a razão a seu lado quando diz que cada fórmula supostamente eterna para descrever a "ciência patológica" se aplica igualmente a muitas coisas da ciência admirável.
Milton está errado quando imagina que isto significa que devemos ver todas as heterodoxias com bons olhos. Existem tantas heterodoxias que, se fizéssemos isso, não sobraria ciência.
Infelizmente, a verdade é que as decisões têm que ser feitas dia a dia e caso a caso, e frequentemente serão tomadas as decisões erradas.
É possível que a ciência moderna, grande e burocrática, tenha ido longe demais na expulsão das heterodoxias esdrúxulas.
Talvez os guardiães da ciência e os editores de periódicos científicos prestigiosos exibam um excesso de fervor crucificador.
As exigências de que a ciência seja útil e aplicável a curto prazo têm o potencial de serem tremendamente prejudiciais, se forem universalmente aplicadas.
O "oxigênio da excentricidade" precisa ser mantido fluindo, de alguma maneira, mesmo que algumas pessoas o achem sufocante.
"Forbidden Science: Suppressed Research That Could Change Our Lives" (Ciência Proibida: Pesquisas Suprimidas que Poderiam Mudar Nossas Vidas), de Richard Milton. Ed. Fourth Estate, 264 páginas. Pode ser encomendado à livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, São Paulo, tel. 011 285-4033).

Tradução de Clara Allain

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