São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Novo modelo de expansão internacional: empresas multidomésticas

HAROLDO V. BRASIL; CARLOS A. ARRUDA

HAROLDO V. BRASIL
CARLOS A. ARRUDA
Fala-se muito da internacionalização das empresas brasileiras em função da abertura e globalização dos mercados mundiais e devido à adoção progressiva pelo Brasil do modelo de modernização e integração competitiva, em lugar do antigo e já esgotado modelo de substituição das exportações.
No entanto, a maioria dos registros desse processo de envolvimento de nossas empresas com o mercado externo, seja em artigos, reportagem de revistas especializadas ou mesmo em estudos de caso, estão sempre focalizados em produtos cujas características lhe dá condições relativamente fáceis de negociabilidade em outros países. São os chamados "tradeable goods" como autopeças, calçados, motores elétricos, produtos siderúrgicos, celulose etc.
Em geral, essa negociabilidade intrínseca tem sempre por trás a exigência de que essas empresas tenham os seus produtos num nível de qualidade e de preço competitivos em nível mundial. Há, por outro lado, setores residuais de produtos menos negociáveis em termos de exportação ("non tradeable") como bebidas, plásticos materiais de construção etc., para os quais os caminhos tradicionais de internacionalização não são os mais adequados.
Para elas há uma segunda alternativa, qualitativamente diferente, que exige que as empresas incorporem simultaneamente a exportação e a multinacionalização, duas etapas geralmente diferenciadas e auto-suficientes no modelo tradicional.
As empresas deste tipo, que poderíamos chamar de multidomésticas, partem de suas bases locais e montam em outros países uma rede de empresas assemelhadas, que usufruem da tecnologia, know-how, processos de produção, sistemas de controle e de gestão da empresa base.
Há assim, a exportação de invisíveis, ficando a multinacionalização por conta da existência destas múltiplas bases em outros países que gozam de bastante autonomia local nos aspectos de comercialização e de administração, mas que se inserem harmoniosamente numa rede comum de tecnologia e de controle.
Geralmente a implantação das unidades no exterior se faz via aquisição de pequenas unidades existentes com bom potencial, bem inseridas nos seus respectivos contextos culturais e negociais, mas com dificuldades técnicas bloqueando seu crescimento. A rede de empresas consegue dessa forma juntar flexibilidade operacional com integração tecnológica e gerencial, propiciando uma competição intra-empresa, além de criar a possibilidade do surgimento de inovação tecnológica, que é obrigatoriamente repassada às demais, tendo em vista a premissa de total transparência da rede.
Desta forma, sem perda da autonomia, mantêm-se uma plataforma tecnológica comum, a partir da empresa-mãe, responsável por essa integração e pelo processo de aprendizado que se dá em função das permanentes inovações incrementais que vão se sucedendo.
Um exemplo de empresa que, com bastante aproximação, se enquadra como multidoméstica incipiente seria a Brahma, que acaba de comprar uma pequena empresa na Venezuela, detentora de apenas 6% do mercado local e cujo crescimento está bloqueado pela carência de tecnologia de processo e provavelmente também de gestão (Folha de S.Paulo, 18/01/1994). Este pode ser o início de uma rede daquela empresa na América Latina, obedecendo aos critérios previstos para as multidomésticas.
A vantagem competitiva das redes multidomésticas se dá em cima de cinco fatores básicos: competição intra-empresas da rede; unidades múltiplas em vários países; seleção de ambientes amigáveis em vez de agressivos; mudanças incrementais contínuas, com um forte processo de aprendizado coletivo; transparências das informações, em particular no nível de inovação tecnológica e de gestão.
Em alguns países com pequeno mercado doméstico e parque industrial desenvolvido e competitivo, como por exemplo Austrália e Suécia, este modelo representa uma percentagem representativa das empresas que se internacionalizam com sucesso.
Na Austrália, uma empresa produtora de fermento em tabletes (Burn Philip) está conquistando o mercado internacional sem exportar praticamente nada. Devido às características de seu produto (fermento cremoso) e das dificuldades de refrigeração durante o transporte, a empresa adotou uma política de internacionalização via compra de pequenas unidades industriais em outros países. Hoje, a Burn Philip possui 19 unidades em 13 países, inclusive três joint ventures na China, com uma maior proporção de seu faturamento proveniente de suas unidades no exterior.
Talvez este fosse o caminho a ser seguido no Brasil por empresas com produtos de baixa negociabilidade via exportação, sendo a América Latina um mercado óbvio para uma expansão multidoméstica de muitas empresas brasileiras.

HAROLDO V. BRASIL, 64, engenheiro, especializado em finanças e administração pelo Grupo HEC (Hantes Etudes Commerciales) na França.
CARLOS A. ARRUDA, 38, engenheiro, é doutor pela Universidade de Brodford (Reino Unido).
Os autores são professores da Fundação Dom Cabral (MG) e coordenadores do Projeto Internacionalização e Multinacionalização de Empresas Brasileiras.

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