São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Morte de Senna é uma sombria profecia

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um anjo mau sobrevoou a pista de Imola. Tirou Rubinho da corrida, levou o austríaco consigo e ontem apontou seu dedo longo e escuro em direção ao nosso eterno campeão Senna.
A última cena que guardo de Senna é uma imagem distante dele, no sábado, examinando o local do acidente que vitimou seu companheiro de pistas. Naquele exato momento fiquei tentando adivinhar o que estaria se passando na cabeça do campeão. Jovem, rico, famoso, com tudo de bom que a vida pode oferecer ao alcance de sua mão, como estaria naquele instante olhando de frente para a morte? Juro que tive ímpetos de gritar para a TV, na esperança impossível de que minhas palavras chegassem ao seu ouvido: sai dessa, cara! Vá gozar a vida, que é curta e cheia de armadilhas. Jogue fora esse capacete imprestável, esconjure essa máquina diabólica que a cada domingo suga um pedaço vivo de você. O que aconteceu neste sábado é mais do que um sinal; é uma sombria profecia.
Logo em seguida, sobrepõe-se a imagem de Nikki Lauda conversando com Berg. Lauda, com seu rosto devastado pelas chamas antigas, era a resposta de Senna e de todos esses malucos que, uma vez por semana, durante anos e anos, vestem o macacão, cobrem suas cabeças com um ridículo elmo de desenho espacial, ajustam-se àqueles esquifes motorizados e aceleram, aceleram, acelaram, em direção à morte.
É, simplesmente, uma compulsão. Trágica e irremediável compulsão.

O futebol é mesmo um mosaico de detalhes. A combinação sutil deles acaba por determinar a vitória num clássico ou mesmo a conquista de um título, como, ao que tudo indica, ocorreu ontem no Morumbi, quando o Palmeiras deu sua grande virada sobre o tricolor, por 3 a 2.
Ao contrário do jogo da quarta-feira passada, o São Paulo entrou em campo melhor escalado, com Válber de líbero, sustentando a linha de defesa e conferindo inteligência à saída de bola de seu time.
Resultado: durante todo o primeiro tempo, o tricolor foi mais consistente e perigoso do que o Palmeiras. E saiu de campo com 2 a 1 no placar.
Mas havia um pequeno detalhe a ser corrigido: Palhinha continuava mergulhado em funda depressão. Se Telê tivesse percebido a tempo, quem sabe o segundo tempo corresse por caminhos diversos. Não percebeu, e o Palmeiras foi comendo pelas beiradas. Tomou conta do meio-campo e passou a exercer uma pressão aparentemente inócua, mas apenas aparentemente. Na verdade, ia minando as energias tricolores, como um bom e eficiente pugilista que, sem pegada devastadora, ataca com frequência o fígado e o baço do adversário, até que este baixe a guarde. Aí, sobrevém o nocaute, inevitável.
Foi o que aconteceu, na sequência de duas bolas paradas: uma falta cobrada com a proverbial eficiência de Evair e um córner que caiu nos pés sempre abençoados de Maurílio, uma espécie de Fedato dos anos 90.
Mais que uma vitória sobre feroz rival, o Palmeiras, de mansinho, ontem pode ter conquistado o seu bi.

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