São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Medo da morte afasta teen do tráfico

ANTONINA LEMOS
DA ENVIADA ESPECIAL

Os garotos envolvidos com o tráfico se acostumaram desde pequenos com uma vida difícil. A maioria estudou pouco tempo e logo começou a trabalhar. O uso de drogas também começa cedo, por volta dos dez anos de idade.
"Eu comecei a cheirar (cocaína) com dez anos. Os caras me mostraram e peguei para experimentar", diz José, 15, morador de um morro da zona sul controlado pelo Comando Vermelho.
Ele parou de estudar na terceira série. Foi trabalhar como vapor no morro aos 12 anos.
Ele conta como foi sua entrada no Comando. "Eles me deram um monte de grana e de pó para testar minha confiança. Viram que eu era honesto e eu comecei a trabalhar."
Apesar de ver vantagens em trabalhar com o tráfico, ("a grana entrava fácil"), José acabou pulando fora. "Vi muita gente morrer."
Atualmente José trabalha com o seu pai em um caminhão de frete. "Eu trabalho muito e ganho menos, mas tenho liberdade. Isso compensa", diz.
Os garotos que trabalham com o tráfico usam o dinheiro para fazer as coisas que qualquer adolescente gosta de fazer.
"Eu adoro comprar roupas de marca, principalmente da Toulon (roupas estilo M. Officer)", diz Roberto, 15, vigia de um morro no centro do Rio. O resto da grana ele dá para a família e usa para "impressionar as meninas" nos bailes.
Funk
Funk e pagode são as principais diversões dos garotos do morro. Curtir pagode é tranquilo. Mas quando o assunto é funk as se complicam.
As galeras de funkeiros tem contato íntimo como o tráfico. Geraldo, 16, é integrante da galera do Curral, de uma favela em Parada de Lucas (zona norte do Rio).
A favela do Curral pertence ao Terceiro Comando. Não por acaso, sua galera é inimiga da galera do "Inferninho", da favela de Vila Vintém (também em Parada de Lucas), que pertence ao Comando Vermelho.
Ele explica que os traficantes são "legais" com os funkeiros. "Eles nos dão ônibus para ir aos bailes e ajudam as pessoas quando alguém precisa de assistência médica."
É por isso que ele e seus amigos de galera costumam dar uma "força"para os traficantes . "A gente avisa se tem algum alemão (inimigo) subindo o morro", diz.
Geraldo, quando precisa de dinheiro, faz alguns "trabalhos" como fogueteiro (garoto que solta foguetes para avisar da chegada de inimigos).
"Mas não gosto, o preço que você paga por se envolver com o tráfico é a sua própria vida", diz.
Ele já está pagando um certo preço. Há duas semanas Geraldo está internado no Instituto Padre Severino (centro de triagem onde vão parar menores infratores).
"Eu estava em uma boca comprando pó e a polícia chegou. Eu não estava trabalhando lá. Os que estavam trabalhando correram. Só foi preso `trabalhador'."
Ele aguarda com ansiedade a decisão do juiz para poder "voltar à vida honesta". "Quero arranjar um emprego bom e parar de preocupar minha mãe."
Ao contrário de muitos menores infratores, ele não tem problemas com a família. "Sou filho único, moro com a minha mãe e meu padrasto. Eles são muito gente boa."

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