São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Elis Regina soa fora de moda em CD

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Elis regina (1945-1982) não é só a cantora, mas uma época que já vai longe. A da MPBM – da Música Popular Brasileira Moderna, como se dizia em 1965. É essa a Elis que interessa e vem á tona.
Nesta semana a Polygram alimenta o catálogo de CDs com oito títulos lançados pela intérprete gaúcha entre 1965 e 1979. Até junho saem pelo selo Velas três CDs com inéditos da cantora em gravações feitas entre 1965 e 1967 no programa "O Fino da Bossa" da TV Record (leia texto ao lado).
Consagrada, a artista repetia os achados da década anterior sem contribuir em nada para o progresso das artes. Foi conservadora até morrer.
Na distância do tempo, é possível ouvir onde ela fez por merecer o título de melhor cantora brasileira. Na realidade, esse galardão virou um fardo moralmente insustentável para ela com a eclosão do Tropicalismo e o surgimento de cantoras de melhor formação, como Gal Costa e Maria Bethânia.
Elis foi de fato e de direito a melhor intérprete de um período muito curto e conturbado da música brasileira: aquele que entremeia a Bossa Nova e o Tropicalismo.
Naqueles anos de meia-liberdade concedida pelo regime militar, os músicos bossa-novistas sentiram necessidade de protestar e fazer barulho. Suas únicas armas eram os conjuntos acústicos. Alvo: o público universitário. Nascia dentro da Bossa Nova a canção de protesto – ou, nos eufemismos do tempo, a MPBM, MMPB, MPB.
Elis se tornou a principal estrela da moda porque tinha voz potente e extrovertida, própria para cantar os "amanhãs" e os resmungos sociais do período. Ela foi lançada na música séria no fim de 1964 no show "O Fino da Bossa" no teatro Paramount de São Paulo.
Tinha estreado em 1961 com o LP "Viva a Brotolândia", com calipsos e rocks. No ano seguinte, gravaria boleros. Só em 64, ao trocar Porto Alegre pelo Rio, começou a assimilar o samba tardo-bossa-novista, voltado aos sons e problemas do morro e do nordeste.
A geração da MPB (que até hoje domina a cena musical) desabrocha nessa estridência. Elis consolidou o termo em abril de 1965, ao cantar "Arrastão" (Edu Lobo-Vinícius de Moraes) no FMPB da TV Excelsior em São Paulo.
Nos shows do Paramount e um ano mais tarde, no programa O Fino da Bossa" na TV Record (virou o protótipo da "cantora de televisão"), ela lançou e incentivou compositores jovens como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque de Hollanda, Milton Nascimento e até Egberto Gismonti.
O pacote abarca justamente esse em que Elis dava as cartas e ganhava todas as partidas. Um período visto hoje com desprezo, mas que guarda algum valor sob a cortina do panfletarismo.
Em CD tudo soa muito fora de moda; por isso mesmo, fundamental. "2 na Bossa" (1965) é a gravação ao vivo do show de Elis e Jair Rodrigues no Paramount em 10 de abril de 1965. O barulho do público está conservado ali.
Elis berra na música "Sem Deus com a Família" (César Roldão Vieira) coisas como "Eu semeio e colho o milho, mas a colheita é do patrão/ Mas o dia da igualdade tá chegando, seu doutor". Tudo com afiado acompanhamento bossa-novista.
No mesmo ano, Elis lançava com o Zimbo Trio "O Fino do Fino". Ataca de cara "Zambi", canção de protesto de Edu Lobo e Vinicius de Moraes (o primeiro poeta do gênero). O Zimbo está no auge, com suas famosas "viradas" (aceleração da música com crescendo de intensidade) de levantar platéia. Protesto vendia.
No segundo volume de "2 na Bossa", de 1966, Ellis e Jair lançam "Louvação", de Gilberto Gil (nesse ano, Jair defenderia "Disparada" no festival da Record).
Os dois parecem alegres demais para o amargor da canção.
"Elis Como e Porque" (1969) marca a "eletrificação e a queda estética de Elis, via Quinteto de Roberto Menescal. Foram usados guitarra e baixo elétrico. Música de protesto, não mais. Ela chega a apostar em "O Barquinho" em versão "fusion".
Elis caiu por não aceitar a chegada da Jovem Guarda e do Tropicalismo. Sem se atualizar, perdeu o trono e o ponto. Organizou uma passeata de protesto contra a guitarra elétrica na MPB em 1967 e comprou briga com os pontas-de-lança musicais do momento. Virou uma intérprete retrógrada.
Criou depois apenas um disco antológico ("Elis e Tom", de 1972) e algumas poucas faixas, perdidas em projetos megalômalos e "conceituais".
Deve ser lembrada como uma intérprete que perdeu o rumo.

Discos: O Fino do Fino (1965), 2 na Bossa (1965), 2 na Bossa número 2 (1966), Elis (1966), Elis Especial (1968), Elis, Como e Porque (1979)
Cantora: Elis Regina (com participação de Jair Rodrigues em "2 na Bossa")
Conjuntos: Quinteto de Roberto Menescal, Zimbo Trio, Bossa Jazz Trio e outros
Lançamento: Polygram
Quanto: 15 URVs (o CD, em média)

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