São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Envernizado

O turbilhão que varreu a Itália nos últimos tempos não fez só dissecar o sistema político vigente até as suas corruptas entranhas. Devastou também a estrutura partidária e liquidou com aqueles ligados à avalanche de escândalos de corrupção. Criou assim um cenário de terra arrasada que, somado à revolta e à indignação generalizadas contra a chamada política tradicional, gerou um caldo de cultura altamente propício para a ascensão de "outsiders", aventureiros e radicais.
Se as últimas eleições parlamentares já haviam refletido essa conturbada situação, com o crescimento da extrema direita e dos ex-comunistas, a recente indicação do novo primeiro-ministro veio escancará-la de modo cabal. Silvio Berlusconi entrou para a atividade política há apenas três meses, mesmo tempo de vida do seu partido, a Força Itália, que já se tornou a maior agremiação no Parlamento. Coligado com os neofascistas e os autonomistas do Norte, obteve maioria para formar o governo.
Espécie de Cidadão Kane italiano, Berlusconi é dono de um vasto império de telecomunicações. Impulsionado por uma reconhecida habilidade como comunicador –assim como por suas três redes nacionais de televisão–, fez campanha com um discurso personalista quase que messiânico, de salvação nacional contra a corrupção, a politicagem e a incompetência.
Embora tenha ressaltado seu distanciamento da política tradicional e das irregularidades, seu irmão, responsável pelos negócios imobiliários da família, está prestes a ser julgado por corrupção. Berlusconi fazia ainda parte da loja maçônica P2, também envolvida nos escândalos. Há, por fim, suspeitas de conflitos de interesse relativos à sua posição no governo e a suas empresas.
Resta saber agora como a imagem do "outsider", do novo e diferente, vai resistir às intempéries do exercício de fato do governo. Como os brasileiros lamentavelmente bem sabem, o verniz por vezes se esvai, revelando que o conteúdo nem sempre corresponde à forma.

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