São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
Texto Anterior | Índice

Livros

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não sou de comentar os livros que recebo, sejam bons ou maus, de amigos ou não. Pois hoje vou falar de três livros que, além de bons, são obviamente de amigos meus.
Jorge Amado mais uma vez dá um show em histórias curtas. "A Descoberta da América pelos Turcos" pode ser comparada à história do Quincas Berro Dágua. Uma delícia, em todos os sentidos. Mão sábia, a de Jorge, em reescrever com os mesmos tipos quase que as mesmas histórias. A gente tem pena quando o livro acaba.
Se fosse crítico literário, eu ousaria dizer que Jorge conseguiu, aos 80 anos, ser o maior sábio do Brasil, no sentido básico da palavra "sábio": aquele que sabe. Jorge sabe o Brasil, sabe o homem, sabe a vida.
Delicioso, também, o livro que a Companhia das Letras está reeditando: "O Asfalto Selvagem", de Nelson Rodrigues. Ao contrário de Jorge, Nelson nada sabe, mas adivinha. E adivinha fundo. Também ele conta a mesma história, com os mesmos personagens.
A vantagem do Nelson romancista ou cronista é que, além das cenas e diálogos –onde o teatrólogo é único– ele consegue fazer as marcações, os cacos –que no teatro ficam por conta de diretores nem sempre afinados com ele.
Em abril tivemos uma enxurrada de livros sobre o movimento militar de 64. O único que li foi "A Fúria de Calibã", de Nelson Werneck Sodré. Dos outros, tomei conhecimento por resenhas contra ou a favor. Não li e não gostei.
Já o livro do Nelson é simples, objetivo e leal. Leal para com os fatos, leal para com as idéias que ele sempre defendeu, leal sobretudo para com ele mesmo.
Nos primeiros dias de abril daquele ano, Nelson estava preso numa das fortalezas da Guanabara, pagando o preço de ter lutado como intelectual na grande luta da época.
Seu livro de agora não tem ressentimentos nem cóleras. Expõe a verdade que viveu e sofreu, luta que ele nunca traiu. "A Fúria de Calibã" não chega a ser um ensaio. É uma resenha, o testemunho de um tempo que nos mutilou a liberdade e, em muitos sentidos, a vergonha.
O leitor pode estranhar que elogie amigos. Paciência. Tenho orgulho deles. E do Nelson Rodrigues, cada vez tenho mais saudade.

Texto Anterior: O cidadão e o eleito
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.