São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FHC tenta conciliar intelectual com o político

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Acusado pelos adversários de trair a si mesmo e desdenhar o que escreveu no passado, o candidato à Presidência da República pela aliança PSDB-PFL, conhecido como FHC, tentou ontem reconciliar-se com o professor emérito da USP Fernando Henrique Cardoso, chamado pelos amigos de "príncipe da sociologia" brasileira.
Em conferência realizada ontem no Conselho Universitário da USP em comemoração aos 25 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), do qual foi presidente entre 1980 e 1982, Fernando Henrique procurou sugerir que seu projeto político de hoje é o resultado consequente de sua atividade intelectual de ontem.
O tema da conferência foram "Os desafios teóricos dos anos 70". Fernando Henrique falou durante mais de uma hora para cerca de 200 estudantes e acadêmicos.
Entre os eles, estavam vários eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tais como o economista Paul Singer, o presidente do Cebrap Francisco de Oliveira, o cientista político Francisco Weffort, o crítico literário Roberto Schwarz, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, o sociólogo Gabriel Cohn e o filósofo Paulo Arantes.
A antropóloga Ruth Cardoso, mulher de FHC, assistiu à conferência na primeira fila ao lado do filósofo José Arthur Giannotti. Estavam também presentes os ex-ministros Luiz Carlos Bresser Pereira, Celso Lafer e Walter Barelli.
Falando sobre o regime militar nascido em 1964, FHC lembrou que, na época em que a esquerda aderia à guerrilha e à luta armada, o Cebrap defendeu a oposição "pela via político-institucional", aceitando as regras do jogo para poder subvertê-las.
"Preferimos quebrar o Estado por dentro, apostando na democratização", disse FHC, discordando daqueles que apostavam na marginalização crescente da sociedade como trampolim para uma ruptura no rumo do socialismo.
Fazendo a ponte com o presente, disse: "Nosso problema hoje é integrar as massas trabalhadoras na sociedade mantendo as regras da democracia, não só a substantiva, como falávamos, mas inclusive as regras da democracia formal". A alternativa, completou, "é a queda no autoritarismo, de um lado ou de outro".
A seguir, assumindo-se como dublê de candidato e professor, FHC disse que "o rescaldo ideológico do debate acadêmico em torno da sucessão é de uma pobreza enorme". O alvo da provocação, não mencionado, foi óbvio: a economista Maria da Conceição Tavares, candidata do PT à Câmara dos Deputados pelo Rio, que em entrevista à Folha disse que a candidatura FHC é uma "farsa" e um novo "golpe das elites".
Numa menção ao regime militar que foi sustentado por vários membros do PFL que hoje apóiam sua candidatura, FHC disse: "Não adianta cobrar o passado. Eu posso, porque estava na trincheira democrática. Mas para quê? Para dificultarmos a transformação? Temos que louvar a mudança, não cobrar o passado."
No fim da conferência, o candidato/professor arrancou risos da platéia: "Hoje é fácil ser democrata. Vários generais ficam sentados na ante-sala do meu gabinete no Senado e esperam horas para falar comigo. Mas não os faço esperar por vingança. É que sou muito ocupado", disse. Ao final, foi aplaudido durante um minuto.

Texto Anterior: Quércia desconsidera resultado de pesquisas
Próximo Texto: Candidato contesta frase
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.