São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Bill Viola expõe a mãe à beira da morte

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Vídeos: The Passing e Granny's Is
Realização: Bill Viola e David Larcher
Onde: Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, Jardins, zona sul, tel. 280-0896)
Quando: De hoje a domingo, às 20h

Os dois vídeos inéditos que o MIS exibe até domingo são exemplos de uma obsessão autobiográfica recente da arte contemporânea. "The Passing" (1991), do americano Bill Viola, e "Granny's Is" (1990), do inglês David Larcher, usam respectivamente a mãe e a avó dos realizadores para fazer a representação de si mesmos.
Bill Viola, que virá ao Brasil em junho para a exposição de quatro de suas instalações no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, é responsável por um dos trabalhos em vídeo mais significativos hoje no mundo. Viola se recusa a usar o vídeo como simples meio de captação de imagens, dando à própria tecnologia um curioso sentido e dimensão estética.
Uma das principais preocupações de sua obra é dissolver os limites entre natureza e cultura –e o videomaker chega ao ponto de lembrar que mesmo os materiais usados para construir uma câmera de vídeo vêm da terra.
Para Viola, o vídeo serve para alterar a consciência que o espectador tem do tempo, da velocidade, da paisagem e de si mesmo. Serve para romper com dicotomias como interior e exterior, subjetivo e objetivo, apontando para a conexão perdida (na percepção humana) entre natureza e cultura.
"The Passing" é mais uma etapa desse processo, dentro de uma perspectiva autobiográfica que transforma o próprio videomaker em centro para onde converge toda a problemática da obra.
Viola realizou o vídeo de 54 minutos e outras instalações como "Heaven and Earth" (O Céu e a Terra), que será apresentada entre 23 de junho e 5 de agosto no Rio, a partir da morte da mãe e do nascimento de seu filho. Gravou imagens da mãe agonizante e em seguida morta, intercalando-as com cenas da criança.
A respiração agonizante da mãe se superpõe a imagens exteriores, de paisagens e desertos, ao corpo da criança dentro d'água, ao mesmo tempo em que cenas do próprio videomaker acordando ofegante sugerem que tudo pode ser um sonho ou um pesadelo.
A idéia de sonho corresponde bem a essa tentativa de fundir o exterior com o interior, diluir as fronteiras entre o subjetivo e o objetivo. Mas é sobretudo a idéia de associar a morte da mãe ao nascimento do filho do videomaker que introduz uma reflexão obsessiva sobre si mesmo, no vértice dos dois acontecimentos.
Herdeiro de uma tradição como a da "body art" (onde o corpo do artista se transformava em território da experiência artística, na própria obra), um vídeo como "The Passing" estabelece relações de afinidade com todo um imaginário estético desencadeado a partir da experiência da Aids.
As questões colocadas pela "body art" nos anos 60 foram retomadas agora como reflexão sobre uma realidade em que os corpos estão submetidos a um trabalho de transformação que realça o sentido trágico. A Aids foi apenas um catalisador para a volta do próprio corpo como objeto estético em diversos trabalhos.
"O vídeo é uma experiência física, (...) tem um efeito direto nos corpos das pessoas. O vídeo pode ser um instrumento poderoso para tocar as pessoas diretamente, na percepção, em áreas que a cultura ocidental não leva em conta como um caminho para o conhecimento. Desde a Idade Média, esse caminho é feito através do intelecto e não do corpo. O corpo foi negligenciado", disse Viola à Folha em 92.
Enquanto Viola tenta encontrar essa "essência" perdida com imagens magnificadas (os carros passando pela estrada à noite), o inglês David Larcher leva os recursos da tecnologia ao excesso em "Granny's Is".
Larcher grava as imagens da avó sem escrúpulos no que denomina de "antropologia geriátrica", estabelecendo uma relação perversa com a própria origem.

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