São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Revisão e Previdência

RENATO FRAGELLI CARDOSO

O pouco que restou do Congresso revisor ainda está em tempo de corrigir uma das grandes fontes de concentração de renda deste país e, como subproduto, ajudar no combate à inflação. Trata-se da reformulação dos direitos previdenciários definidos pela Constituição de 1988.
Os baixos valores recebidos pelos aposentados não se explicam apenas pelas fraudes, mas pela excessiva generosidade dos constituintes de 1988.
A Constituição estabelece três critérios básicos para a aposentadoria: 1) por invalidez; 2) por idade, aos 65 anos, e 3) por tempo de serviço, após apenas 35 anos (30 para mulheres) de contribuições, sendo que estes dois tetos são reduzidos em cinco anos para algumas categorias.
Em teoria a lei é a mesma para todos, mas na prática o enquadramento nela difere substancialmente em função do nível de renda do trabalhador.
O pobre que começa a trabalhar quando ainda é criança, só consegue aposentar-se por idade, pois durante boa parte de sua vida não tem registro de trabalho.
O trabalhador de classe média, no entanto, aposenta-se por tempo de serviço, pois trabalha com carteira assinada desde o início de sua carreira.
Alguns números ilustram o fato. Em 1992, cerca de 55% dos benefícios pagos eram de exatamente um salário mínimo, o menor benefício autorizado pela Constituição, 60% dos aposentados por tempo de serviço têm menos de 54 anos de idade. Em média, estes indivíduos recebem benefícios da Previdência durante 18 anos, cerca de metade do número de anos de contribuição!
A Previdência perpetua na aposentadoria as desigualdades observadas no mercado de trabalho. Os benefícios acima de três mínimos representam 12% do número total de benefícios pagos, mais 41% do valor das despesas com benefícios! Em resumo; poucos recebem muito e muitos recebem pouco.
No passado, para se preservar o equilíbrio de caixa do sistema, aumentaram-se as contribuições das empresas, na ingênua hipótese do que os recursos que elas passariam a recolher para a Previdência seriam subtraídos dos lucros e não dos salários.
Como a procura por mão-de-obra é função de seu custo bruto –salários mais encargos– o resultado deste paliativo foi o fortalecimento da economia informal.
Hoje, cada benefício pago é sustentado por apenas 2,5 contribuintes. Os elevados encargos trabalhistas mantêm na informalidade 40% da população economicamente ativa. Ou seja, poucos dispõem-se a contribuir, porque muitos têm direito a receber.
Pelas regras vigentes antes da URV, o salário mínimo era cinicamente fixado em US$ 100,00 no primeiro dia útil de cada quadrimestre.
Com a inflação mensal em 40% quando o benefício mínimo era pago ao final do primeiro mês, seu valor já tinha caído para US$ 71,00. Os reajustes parciais de 30% nos meses seguintes reduziam o valor médio do benefício mínimo pago no quadrimestre a US$ 64,79.
A Previdência, portanto, era sócia da inflação, pois dependia dela para equilíbrar seu caixa.
Como a Previdência representa quase 50% das despesas federais, a elevação do salário mínimo de US$ 64,79 para US$ 100,00 aumentaria em 50% sua despesa, ou em 25% a do governo federal.
Por este motivo o governo foi forçado a fixar o salário mínimo em 64,79 URVs. Se não o tivesse feito, quem acreditaria no pressuposto básico para o sucesso do plano: o fim de déficit público?
A Previdência não pode fazer mágicas, só pode transferir aos aposentados o que retira dos trabalhadores ativos. Ao direito do inativo corresponde o dever do ativo.
Para se elevar o valor dos benefícios é necessário reduzir o número dos que têm direitos e aumentar o dos que têm deveres. Isto significa acabar com a aposentadoria por tempo de serviço.
Além disso, é preciso que se compreenda que a Previdência é um programa destinado a pobres: 89% dos benefícios pagos não superam três salários mínimos! A aposentadoria da classe média deve ser deixada para a Previdência privada.
A revisão constitucional pode resolver este problema. Ao trabalho congressistas!

Texto Anterior: Café na praça; Queda de braço; Muitas xícaras; Idade do grão; Contribuição ao plano; Imagem enxuta; Participação crescente; Ajuste inflacionário; Antes do real; Pescoço longo; Fé na URV; Ocupando espaço; Lembrança oportuna; Na loteria; Chance de zebra; É fria; Conter a bolha; Medidas complementares; Na adversidade; Caminho do lucro
Próximo Texto: Perdendo o trem
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.