São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994
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Perdendo o trem

ERNESTO LOZARDO

A receita tributária do Brasil em proporção ao PIB vem percorrendo um caminho de subidas e descidas. Caiu de 26% na década de 70 para 22% na década de 80 e este ano promete saltar para 28% depois de ter estado no patamar de 24% em 1993. Embora não seja uma das mais altas do mundo –ficando abaixo da praticada pelo Japão, Alemanha, França e México– ela peca pelo desequilíbrio ostentado na base de incidência dos impostos, que por ser restrita, acaba sobrecarregando determinados setores. Os dados da própria Receita apontam que mais de dois terços da arrecadação advêm de dez mil empresas dentro de um universo de quatro milhões de contribuintes.
A necessidade de financiar um Estado a cada dia maior e mais pobre acabou transformando o sistema tributário brasileiro num gigantesco cipoal, com um número elevado de tributos, muitas vezes superpostos, e com alíquotas que crescem por geração espontânea. Se isso não bastasse, ainda fomenta uma complexidade fiscal, que exige das empresas a montagem de uma estrutura paralela para apurar, calcular, verificar e pagar impostos, comum a aproximadamente 60% das empresas brasileiras, que são ainda mais oneradas por esse custo extra.
No vale-tudo que se transformou o sistema tributário brasileiro, o governo inicialmente optou por adaptar a Carta de 88 segundos suas necessidades de caixa, caindo nos desvios da inconstitucionalidade, flagrada pela Justiça. Posteriormente, procurou escapar das contestações judiciais através do artifício da redução do prazo de recolhimento dos impostos que, na prática, não passa de mais um aumento da carga tributária.
O alvo do Fisco brasileiro tem sido incansavelmente o contribuinte que paga impostos, levando a um afunilamento ainda maior da base de arrecadação e a um crescimento do índice de contestações judiciais e de sonegação. Essas situações exibem as falhas e distorções do sistema tributário. Os aumentos de impostos, devido a estes dois fatores, nem sempre levam a um crescimento de arrecadação como ficou figurado na contenda entre empresários e governo em torno do Finsocial. A situação vem se deteriorando também para o Estado, que não consegue impedir a sangria de recursos através da sonegação, embora a Receita Federal venha fazendo um trabalho sistemático para coibir o delito fiscal.
Portanto, a necessidade de se realizar uma reforma do sistema tributário vem se configurando como uma questão cada dia mais prioritária para o setor produtivo nacional, que necessita aumentar a competitividade de seus produtos, meta difícil de se obter, à medida que os impostos incidem diretamente sobre a estrutura de custos, prejudicando todos os acertos configurados na política de câmbio e comercial do país. Caso não seja possível ao Congresso revisor na reta final dos trabalhos, chegar a uma pauta comum capaz de incluir mudanças na legislação tributária, como tudo parece crer a matéria deve ser considerada prioritária para a nova Constituinte revisora da Carta de 88.
Uma reforma do sistema tributário torna-se fundamental para dar mais competitividade ao produto brasileiro, uma vez que a carga tributária direta incide sobre o preço final do produto exportado. Alguns países, como o Japão, tem trabalhado sobre a redução da progressividade do Imposto de Renda visando a estimular a poupança e a atividade econômica, além de controlar a evasão e a sonegação fiscal, simplificando seu controle. O Brasil vem percorrendo o caminho inverso dessa tendência mundial e aumentando sua carga tributária direta. Enquanto ostenta uma alíquota nominal de 40%, nos Estados Unidos ela cai para 33%, na Argentina para 34% e na Alemanha para 36%.
Além dos impostos diretos, a carga dos indiretos, como o Finsocial –que incide em cascata sobre o faturamento das empresas– e os encargos sociais sobre a folha de pagamento, são custos que o empresariado brasileiro não pode "exportar". Enquanto o Brasil é um dos poucos países, onde os impostos indiretos recaem sobre o valor adicionado, as alíquotas nominais de impostos em países do Primeiro Mundo, mais competitivos –como Japão e Estados Unidos– ficam em patamares bem inferiores aos configurados na legislação brasileira. Se o Brasil quer crescer e ser competitivo terá de simplificar o sistema tributário, em número de impostos e na burocracia, reduzir a carga tributária e, ao mesmo tempo, ampliar a base de arrecadação com a urgência daqueles que não querem perder o trem da história.

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