São Paulo, sexta-feira, 6 de maio de 1994
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Campos Salles e Ricupero

LUÍS NASSIF

O governo Campos Salles, de quem o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, é fã, teve suas virtudes. Mas teve também suas limitações que, para não repetir a história, faria bem o ministro em evitá-las.
Para garantir a governabilidade, Campos Salles fechou acordos espúrios com as oligarquias estatais e estaduais –os verdadeiros donos do Estado.
Para não ter que mexer na estrutura pública, nem no esquema de poder vigente, quem pagou o pato foram os contribuintes, com impostos aumentados além da conta e serviços cortados além do devido, para garantir o ganha-pão dos sanguessugas.
As raízes da crise estavam no herói dos jacobinos, Floriano Peixoto que, entre um discurso e outro contra os ingleses, estuprava impiedosamente o Estado.
Distribuíam-se empregos à farta para a burocracia civil, concediam-se aumentos ilegais de soldo para o funcionalismo militar e subsídios à vontade para empresários amigos.
O Poder Judiciário soltava a torto e a direito sentenças com indenizações milionárias para qualquer demanda contra o Estado.
E uma legislação bancária permissiva autorizava emissões desenfreadas de moedas, financiando a especulação financeira mais nefasta, com garantia do Tesouro.
Temperava-se esta imensa sopa com pitadas de um discurso xenófobo, que garantia barriga cheia e consciência leve aos exploradores do Estado –uma receita repetida indefinidas vezes ao longo do século.
Concessões políticas
Quando o sucessor de Floriano, velho Prudente de Moraes, tentou reduzir parte dos abusos, foi tratado como ameaça aos mais legítimos interesses nacionais e quase trucidado pela Câmara dos Deputados.
Eleito presidente, para conseguir apoio político, Campos Salles fechou acordo com as oligarquias estatais –mantendo seus privilégios–, com as oligarquias estaduais –dando a cada governador o direito de comandar todas as indicações federais nos seus respectivos Estados– e com os credores externos.
A conta sobrou para os contribuintes.
O governo Campos Salles aumentou os impostos sobre consumo, calçados, velas, fármacos, perfumes, vinagres e conservas. Também ampliou o número de produtos sujeitos a impostos.
Teve atitudes corajosas, sem dúvida.
Acabou com o subsídio indiscriminado às indústrias e aos cafeicultores.
Em nome de um protecionismo largo, gastavam-se rios de dinheiro num subsídio à indústria, cuja única seletividade consistia em favorecer não aquelas mais competitivas, mas as que pertenciam aos amigos do poder.
Também conseguiu levantar as hipotecas que pesavam sobre as estradas de ferro, como garantia aos empréstimos externos e, depois, privatizou-as.
Além de conseguir tapar rombos públicos, imediatamente as ferrovias privatizadas passaram a dar lucros.
Reduziu bastante os gastos militares, fechando guarnições do Exército em Belém, Recife e Bahia, e também os arsenais da Marinha na Bahia e Pernambuco.
Os terrenos ocupados por eles foram vendidos, assim como os navios que estavam em construção na Europa.
Queimou dinheiro em praça pública e permitiu que os bancos estatais quebrassem, sem recorrer a novas emissões.
Méritos
Teve grandes méritos pessoais. O maior deles –que provavelmente motivou a admiração do ministro– foi o desprendimento de adotar políticas impopulares, que inclusive colidiam com seus próprios interesses pessoais e partidários.
Quando Júlio Mesquita, prócer do Partido Republicano Paulista, levou-lhe o pedido dos cafeicultores, de uma moratória que os impedisse de perder as terras, percebeu-se que tinha-se no poder um homem público.
Como as propriedades trocam de mãos, mas o cultivo continua, disse ele então, a crise do setor não era problema de governo.
Ele próprio era um cafeicultor que ficou em dificuldades financeiras, devido à sua própria política econômica, e saiu da Presidência mais pobre do que entrou.
Quebrou sem jamais recorrer ao governo, durante ou depois de ter sido presidente.
Mesmo assim, a maneira como Campos Salles enfrentou a crise econômica não deve ser seguida ao pé da letra, pelas circunstâncias que limitaram sua ação.
Cultura nacional
O livro "El Gobierno de Manuel Ferraz de Campos Salles, El Restaurador de las Finanzas", de Maria Zélia de Camargo de Villegas, no qual a coluna se baseou, foi editado pela Universidade Símon Bolivar, da Venezuela, por falta de interesse das instituições brasileiras.

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