São Paulo, sexta-feira, 6 de maio de 1994
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Formiga no piquenique dos outros é refresco

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fui convidada para um piquenique no Dia das Mães. Não quero, não gosto e não vou. Na minha cultura de brasileira não há boas lembranças de convescotes à margem de riachos sussurrantes. Europeus, indianos, árabes comem ao ar livre com grande satisfação, mas os brasileiros preferem festejar na sala e na cozinha. Por que? Muito trópico, formiga, mosquito, cobra? Será?
EUA
Nos Estados Unidos, sim, fui parar no Midwest e descobri que mulher americana faz tanto piquenique para que –acabada a refeição– jogue fora talheres, pratos, toda a tralha, sem precisar lavar nada, feliz da vida.
Lá em Illinois, subimos a um cruzeiro, no topo de um morro escarpado, coberto por quilômetros de florzinhas amarelas que sacudiam de cá para lá com o vento. E que vento! A manteiga de amendoim, os pedaços de melão, os sanduíches de pão preto, tudo num rodamoinho surrealista, à nossa volta. A ordem era agarrar o que não estivesse voando ou que passasse pelo nariz.
E este não foi o último, aconteceram muitos, logo depois. Por qualquer motivo acendia-se uma fogueirinha num parque, grelhavam-se salsichas, abriam-se latas de "baked-beans" e a festa estava pronta.
No dia da minha volta, foram me levar ao aeroporto e não me deram café da manhã, para meu desgosto. Numa curva da estrada pararam a perua e "surprise!", cobriram o capô com toalha xadrez, apareceram "doughnuts" de todos os feitios e garrafas térmicas como suco e café. Belo piquenique que não pude aproveitar, de salto alto e aquela angústia neurótica de perder o avião.
São Paulo
Espremendo bem a memória, lembro, sim, de preparativos para um piquenique de escola primária, no Museu do Ipiranga... Primeiro correríamos as bases culturais, para depois, o "déjeuner sur l'herbe". Cada um levava sua lancheira de couro com buraco para passar o gargalo da garrafa de suco ou café-com-leite.
O meu suco era caseiro e vinha arrolhado. Logo na entrada, o saguão, o chão de mármore, tudo imponente, tudo grande, para o bando de miúdos. D. Pedro nos esperava, em estátua... Por qualquer lei da física minha rolha estourou com estampido seco de revólver e foi acertar no miolo do Imperador. Um tiro bem no centro da testa. Não foi fácil explicar.
Paraty
Quem compra um sítio em Paraty é envolvido imediatamente por coisas brasileiras. Começa a tecer colcha de retalhos, faz doce de banana, babado de rede de macramé, ponto de cruz em algodãozinho e, por que não, um piquenique com cesta forrada de linho antigo e empadão de galinha e ovos recheados? Por que não?
Comida bem acondicionada, jipe pulando pela areia, chegamos a uma curva solitária de água esverdeada, borboletas azuis, debaixo de pitangueiras carregadas. Abriu-se o piquenique no território de ninguém. Desconfiado, sorrateiro, apareceu o primeiro cachorro e depois o segundo, o terceiro e logo logo, compreendemos o significado da palavra "matilha".
Dentes arreganhados e rosnando, voltamos para casa, sem piquenique e com o coração magoado, e não é no Dia das Mães que eu vou me meter a procurar novos insucessos. Muito obrigada.
Em todo caso existe um sanduíche italiano, que apesar das aparências e do excesso de ingredientes, é delicioso, de verdade, e próprio para piqueniques. A receita está aqui ao lado.

Literatura - A livraria Landy (tel. 881-4169) está vendendo o livro "Claude Troisgros - Da Cabeça à Panela". É a história de um chef francês que aprendeu a gostar do Brasil. Usa a técnica francesa, umas modas orientais e um visual de nouvele cuisine para cozinhar com ingredientes nativos.

Curso - Estão abertas as inscrições para o "Food and Wine Classic", em Aspen, no Colorado. Para os "foodies" e "grapies", são três dias (17, 18 e 19 de junho) para ver, ouvir, aprender e comer com Julia Child, Marcella Hazan, Patricia Wells, Jacques Pepin e muitos outros. Para reservar um lugar e pedir mais informações, ligue para 00 1 800 494-6394.

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