São Paulo, sexta-feira, 6 de maio de 1994
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`Inspetor' flagra a burocracia em corrupção

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É sinal positivo, ótimo sinal, que a primeira montagem, no que promete iniciar nova fase para o Teatro Popular do Sesi, seja sobretudo um ataque à burocracia. Por uma década, a casa foi sinônimo da própria burocracia, no teatro. Montagens corretas, política e esteticamente, para um público visto como operário padrão.
No novo espetáculo, ainda é possível sentir o peso da burocracia, no elenco de superprodução para uma encenação nem tanto. São mais de duas dezenas de atores no palco, alguns sem função, atropelando-se uns aos outros. Todos com bom emprego, interpretando personagens, também eles, bem empregados, na sátira cruel do autor russo Gogol.
Todos felizes, até que chega o inspetor geral, ou alguém que dizem ser um inspetor geral. A idéia se reflete, quase idêntica, no Teatro Popular do Sesi. Diretores como Antônio Abujamra devem, de agora em diante, revezar-se na casa. De tempos em tempos, tratarão de renovar a dinâmica das montagens, acabando, quem sabe, com a burocracia.
"O Inspetor Geral" apresenta, desde já, vantagens. A comédia tem a cara de Abujamra. É uma montagem de diretor, com seu sarcasmo, suas visões políticas, até com suas coreografias circulares. Não uma encenação a serviço da palavra, que apenas detalha para o elenco, mas uma encenação que confronta e realça a palavra.
Não que o diretor atropele o autor, coisa de que já foi muito acusado, no passado. Mas toma liberdades, brinca com o enredo, entra com verdadeiros cacos para atualizar e traduzir melhor a peça para um público brasileiro. E o faz bastante bem, deixando claro o que aqueles burocratas têm a ver com os de hoje. Ou ainda, o que aquela impunidade tem a ver com a de hoje, como na frase final, que aliás não é da peça: "Os poderosos, como nós, sempre têm uma esperança."
Assim, é bom avisar que ninguém espere uma tradução razoavelmente tradicional, como é a mais conhecida, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Abujamra adaptou Gogol para o gosto dos brasileiros. Transformou de vez o prefeito –ou governador– Anton Antonovich Skovznik-Mukanovski no típico político menor, provinciano. Em João Alves.
É o seu papel, do próprio Abujamra, esse do corrupto pequeno, patético, folclórico. Em tom farsesco, o ator-diretor consegue arrancar muitas risadas e também algum compadecimento pelo seu personagem. A inflexão farsesca e caricata, aliás, se repete na interpretação do elenco inteiro, no mais das vezes encenado como coro de burocratas, de funcionários.
Talvez esteja aí, no tom monocórdio do humor, a explicação para o desperdício de um personagem como Óssip e de um ator como Walter Breda –o mais engraçado, o mais bufão entre os comediantes todos do elenco do Teatro Popular do Sesi. Ou talvez tenha faltado, para ele, a liberdade que o espetáculo inteiro se deu.

Título: O Inspetor Geral
Elenco: Antônio Abujamra, Clarisse Abujamra, Walter Breda, Abrahão Farc, Francarlos Reis e outros
Quando: quarta e sexta, às 20h30, sábado e domingo, às 18h e 20h30
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 284-9787)
Entrada: franca

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