São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Jacozinho e Romário

JOSUÉ MACHADO

Alguns locutores e comentaristas de rádio e TV, principalmente esportivos, fazem observações curiosas. Por exemplo: "Tinham dois jogadores impedidos" ou "Tinham 6 mil espectadores no Maracanã" ou "Tinham apenas 24 deputados na Câmara". Por que "tinham"?
Seria bom lembrar que ter e haver são como Jacozinho e Romário ou como o Sarney e madre Teresa de Calcutá: um não pode fazer o que o outro faz nem a cacetada. Ter não pode ser usado como haver. Ter significa estar de posse, possuir, prender, sustentar, gozar, ser dotado e várias outras coisas paralelas. E haver (que também substitui ter) funciona como impessoal e significa existir em casos como os dos impedimentos, dos espectadores no estádio e dos nobres deputados na Câmara.
Então os locutores e muitas outras pessoas desatentas deveriam dizer "havia dois jogadores impedidos", "havia 12 deputados", "havia umas duzentas pessoas na festa", "havia ou parecia haver 70 mil espectadores vendo o Corinthians x São Paulo, embora só 36.325 tenham pago ingresso".
(Brincadeira; claro que isso não ocorre.) Há, havia e parecia haver equivalem a existir e são impessoais, não têm sujeito e por isso não concordam com as expressões plurais que os seguem na oração –objetos diretos, para os íntimos.
Jamais se deve dizer que "haviam" dois jogadores ou "pareciam haver" 100 mil assistentes. Jamais. Seria tão obsceno quanto dizer "tinham dois jogadores" ou "não tem problemas com o Collor" ou "não tinha ninguém na casa do PC", "teve tempo em que a vida era melhor". Portanto, haver ficará sempre no singular quando significar existir, venha ou não escorado por um auxiliar como parecer: há, havia, houve.
É claro que o grande locutor poderá dizer corretamente que Jacozinho e Romário estavam impedidos. Ou "na banheira", como preferem.
Outro bom exemplo do uso do verbo haver como impessoal: "...havia trevas sobre a face do abismo...". Para os pessimistas pode parecer uma descrição metafórica do Brasil nos últimos tempos. Mas não é. Trata-se apenas (apenas?) do caos antes da criação do Universo, segundo a Bíblia. "No princípio criou Deus os céus e a Terra. A Terra porém era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo..."
Sem neuras: não há abismos capazes de tragar o Brasil; bem que tentam empurrar, mas ele não cabe em nenhum.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em Línguas Neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversas publicações diárias.

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