São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Cray foge do estigma de herói da guitarra

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cray foge do estigma de herói da guitarra
O "bluesman" Robert Cray toca em SP no dia 25
Robert Cray, "bluesman" norte-americano, toca em São Paulo no próximo dia 25 no festival Nescafé & Blues.
É o último herdeiro do som pelo não-som, da economia de frases musicais. Canta rouco, gosta muito de música pop. Mas deixa de lado o velocidade gratuita e a verborragia de notas -qualidade que faz valer seu cachê.
"Ainda considero a economia de notas como a melhor forma de expressão da emoção" disse Cray à Folha, por telefone.
Cray, que fala de adultério em 98% de suas canções, trará ao Brasil um repertório imperdível. Vai tocar obras de seu sexto disco, "Midnight Stroll", e os maiores sucessos de sua carreira.
Deve salientar aqui seu quarto trabalho, "Strong Persuader". Foi justamente esse disco que tornou Cray uma celebridade: em 1986, a obra chegou entre os cinco mais vendidos da Billboard. O blues só conseguira isso em 1963, pelas mãos de Bobby Bland.
Cray tem voz preguiçosa, fala pouco e pede para que se encerre logo a entrevista, não sem antes dizer que seu sonho é tocar com músicos brasileiros.

Folha - Como vai ser seu show?
Robert Cray - Venho com uma banda muito maior, pode esperar que vou tocar músicas de todos os meus álbuns. Posso dizer que não mudei nada no meu trabalho, embora possa dizer que está muito melhor. A banda vem com mais três metais e está junta há muitos anos, o que melhora as músicas.
Folha - O blues não precisa se reciclar? Vocês tocam aquelas baladas de 12 compassos e três acordes desde 1920...
Cray - O blues tem inovado, há hoje o country blues, o blues elétrico. Eu, por exemplo, tenho ouvido algo de `world music', de jazz e muito do violonista brasileiro Baden Powell. O Baden abriu minha cabeça, sempre pronta para novas idéias.
Mas devo confessar que todas as minhas influências ainda vêm de Elmore James, de B.B. King, de Otis Redding, de Muddy Waters.
Folha - Como você define o que vai trazer ao Brasil ?
Cray - É um rythm and blues que fez um "crossover" com a música pop. Tenho tentado fugir sempre de me tornar um herói da guitarra, um movimento muito estranho porque a música é antes de tudo algo emocional.
Folha - Então você não é daqueles que passam oito horas por dia estudando música, não faz da música um sacerdócio como todo instrumentista ?
Cray - Olha, eu não toco todo o dia, só toco quando quero conversar com a guitarra, só quando sou pego de repente por uma sensação que quase me sequestra.
Se você toca muito e estuda muito, vai sucumbir às estruturas, vai fugir do que tem a dizer. A ordem é fugir dos heróis da guitarra. É isso que vou basicamente fazer no Brasil.
Folha - O blues deve mudar no fim do século?
Cray - Não, devem mudar as situações pessoais. Devemos saber que o blues é a música que apenas acompanha nossos lamentos pessoais, e isso vai mudando. A forma parece que vai permanecer inalterada.
Uma nota tocada por B.B. King ainda vai falar muito mais alto do que milhões de solos de guitarra.

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