São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Trágico enredo longe do fim

JOÃO QUARTIM DE MORAES

O recém-assinado acordo de paz entre a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e Israel constitui o reconhecimento solene, por parte dos dois antagonistas, de suas recíprocas identidades nacionais.
Encerra um ciclo aberto a 29 de novembro de 1947, quando a ONU (Organização das Nações Unidas) determinou a partilha da Palestina entre árabes e judeus, deixando às duas comunidades, em confronto aberto desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a responsabilidade de aplicar uma decisão que nenhuma das duas aceitava.
Ambas vinham sendo manipuladas há 40 anos pela Inglaterra que, em 1917, para golpear o Império Otomano, aliado da Alemanha, prometeu aos árabes, através do famoso coronel Lawrence, a independência se eles se erguessem contra o jugo turco. Os árabes confiaram na promessa.
Mas, naquele mesmo ano, Lord Balfour, ministro do Exterior do Império Britânico, prometeu ao movimento sionista um lar nacional para o povo judeu na Palestina. Distribuía-se assim a mesma terra a dois povos diferentes.
Estava armado o trágico enredo, que ainda hoje está longe de seu fim, apesar da esperança suscitada pelo acordo assinado no Cairo a 4 de maio último.
Ao término da Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico, não podendo cumprir suas promessas contraditórias, julgou mais simples colocar a região sob seu próprio protetorado, deixando aos aliados franceses a Síria e o Líbano. Na época, os árabes constituíam 92% da população da Palestina.
O desencadeamento da fúria anti-semita na Alemanha hitleriana intensificou a migração judaica para a Palestina, mas, ainda assim, os judeus eram uma minoria quando a ONU lhes atribuiu 57% do território palestino. Minoria aguerrida e bem organizada, porém.
Entre 14 de maio de 1948, data da fundação do Estado de Israel e início da primeira guerra israelo-árabe e 1967, quando após fulminante vitória os israelenses assumiram o completo controle da Palestina, do Sinai (depois devolvido ao Egito) e do Golan sírio, o "lar nacional" prometido por Balfour se transformou num sólido Estado nacional, desfrutando do constante e multiforme apoio dos Estados Unidos.
Pior para os palestinos, reduzidos à condição de párias em sua terra ancestral, utilizados, muito mais do que apoiados, pelos países árabes e sofrendo por parte dos ocupantes toda classe de violências. Mas, imitando neste ponto os judeus, souberam fazer da humilhação e do sofrimento o carburante de sua vontade nacional, encarnada na OLP e eminentemente em Iasser Arafat.
Face à ONU incapaz de fazer sair do papel a resolução de 1967, obrigando Israel a abandonar a Cisjordânia e a faixa de Gaza ocupadas, resistiram obstinadamente à brutal e sistemática repressão israelense. Conseguiram enfim o reconhecimento de seu direito à autodeterminação, limitado por enquanto à faixa de Gaza e a Jericó, isto é, excluindo quase toda a Cisjordânia. Por aí passa o caminho da paz.
Mas as trevas são ainda muito espessas. Há dois meses, um judeu fanático instalado em Hebron, Cisjordânia, massacrou 52 palestinos numa mesquita. Não o teria feito se os colonos judeus não desfrutassem de livre porte de armas automáticas. E de completa impunidade: outros 30 palestinos, que participaram dos protestos contra o massacre de Hebron, também foram mortos, desta vez pelo próprio Exército israelense.
A paz é possível e necessária, mas assim manchada de sangue é por demais precária.

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