São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Mudança tecnológica e novas funções do Estado

ANTONIO KANDIR

As funções do Estado variam em cada país e a cada momento histórico, conforme as relações entre classes e grupos sociais e necessidades do sistema econômico.
Daí ser estéril a oposição, tão corrente no debate brasileiro de hoje, entre um Estado mínimo, espelhado no Estado capitalista dos séculos 17 e 18, e um Estado forte, nos moldes do Estado desenvolvimentista nascido na periferia do mundo capitalista entre os anos 40 e 50 deste século.
Assim como não faz sentido imaginar que, numa economia capitalista cada vez mais complexa e internacionalizada, um Estado cuide apenas de saúde, educação e segurança nacional, como parecem supor alguns neoliberais, é impossível imaginar que, para ser "forte", o Estado precise estar presente, de modo direto, na esfera da produção industrial, como defendem os "nacionalistas".
Uns imaginam que o Estado possa e deva renunciar a toda e qualquer política ativa visando o desenvolvimento econômico, outros imaginam que o desenvolvimento econômico continua a exigir que o Estado desempenhe as mesmas funções do passado.
Ambos são cegos às mudanças que novos padrões tecnológicos impuseram, nas duas últimas décadas, à organização da produção, dos mercados e do Estado no mundo capitalista.
Em todos os países, em especial nos da periferia do capitalismo, em razão de "atrasos históricos" acumulados, os novos padrões de competitividade da economia mundial exigem que o Estado pratique políticas industriais ativas, sob pena de que suas economias percam dinamismo em ritmo crescente e suas populações se afundem ainda mais na miséria.
Os principais instrumentos de política industrial adequada aos novos tempos não são mais o controle cambial, proteção tarifária e presença direta na esfera da produção, como no passado.
Hoje, a política industrial deve apoiar-se em um novo tripé.
Primeiro, deve valer-se de instrumentos mais flexíveis, genéricos e permanentes de política comercial, de modo a promover as exportações em bases genuínas e defender a economia doméstica sem necessidade de fechar-se à concorrência externa.
Segundo, deve voltar-se ao apoio à capacitação tecnológica, em parceria com o setor privado, de tal sorte a permitir às empresas aqui instaladas competir nos mercados mais dinâmicos e de maior valor agregado.
Terceiro, deve apoiar a consolidação de ampla rede de micros, pequenas e médias empresas, tanto para permitir às grandes concentrarem-se em seus negócios típicos, terceirizando atividades acessórias, quanto para minorar o desemprego decorrente da implantação de novos padrões tecnológicos, que economizam mão-de-obra. Sob esse aspecto, a política industrial tem novas e importantes dimensões sociais.
Diante da perspectiva de que um contingente crescente de pessoas venha a perder o emprego, com escassas chances de recuperar um posto de trabalho similar, torna-se urgente implementar políticas que estimulem a constituição de novos negócios, facilitem a realização do sonho de ser patrão de si mesmo, políticas de geração de renda mais propriamente do que políticas de geração de emprego.
Da ótica do indivíduo, políticas de incentivo ao pequeno e médio empreendimento aumentariam as chances de recuperação da auto-estima que o desemprego destrói. Da ótica da sociedade, permitiriam ao mesmo tempo aliviar a pressão fiscal sobre o Estado e estimular o "espírito de empresa".
Da ótica da economia, permitiriam aumentar a competitividade global, uma vez que, dada a necessidade que têm de reduzir custos operacionais e concentrar-se em alguns negócios típicos, as grandes empresas dependem cada vez mais da existência de uma rede de pequenas e microempresas aptas a fornecer bens e prestar serviços com eficiência e qualidade adequadas.

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