São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Cabrera Infante fala da paixão pelo fumo

EDUARDO SIMANTOB
DA REDAÇÃO

O escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, 65, escreve apenas três horas por dia, após ler os jornais e antes de uma maratona televisiva que se inicia com o noticiário da BBC. Um onipresente charuto, de preferência um Havana, acompanha-o religiosamente durante seu ritual diário.
Exilado em Londres desde seu rompimento com o regime de Fidel Castro, Infante já foi jornalista, crítico de cinema e diplomata.
Autor de obras consagradas como "Três Tristes Tigres" e "Havana Para um Infante Defunto", Cabrera Infante dedicou um livro especialmente aos charutos, "Holy Smoke" (literalmente, "santa fumaça" em inglês).
Essa paixão, aliás, é a única coisa em comum que tem com Fidel Castro, seu maior desafeto.
Em entrevista à Folha, por telefone, o escritor deixou a política de lado e discorreu sobre a perseguição que se manifesta em vários países contra os fumantes.

Folha - Como o sr. vê a atual campanha antitabagista que se espalha pelo mundo, especialmente nos EUA e Europa?
Cabrera Infante - Em meu livro "Holy Smoke", eu digo que na história do ato de fumar, desde o início, havia uma forte oposição.
O homem que primeiro viu um índio fumando se chamava Rodrigo de Jerez, um integrante da expedição de Colombo.
Cristóvão Colombo era completamente fascinado pelo ouro, ele não conseguia partilhar um grande charuto com o chefe índio.
Jerez levou consigo para a Espanha, secretamente, uma certa quantidade de tabaco e costumava fumar num quarto escondido. Quando sua mulher descobriu-o, fumando pelos olhos, orelhas, boca e nariz, achou que seu marido estava possuído pelo diabo.
Ela denunciou-o para a Inquisição. E o pobre homem acabou sendo torturado e queimado vivo. Daí em diante, qualquer perseguição contra o fumo é bobagem.
Mais tarde, na Rússia do século 18, cortava-se o nariz daqueles que fumassem, por ordem do czar. Na Turquia, executava-se fumantes. Os russos e os chineses são hoje os maiores fumantes no mundo.
Os turcos tornaram-se famosos nos círculos de tabaco, pois produzem vários tipos de fumo para cachimbo, que aliás, são muito bons.
Assim, eu não me preocupo muito com o que está havendo agora. Acho que isso logo passa. É apenas uma moda.
Folha - Mesmo assim, a restrição ao tabaco tem virado lei...
Cabrera Infante - Sim. Estão tentando incluir o ato de fumar tabaco dentro das leis contra drogas perigosas. E o tabaco é uma coisa muito boba, se comparado à cocaína, álcool ou morfina.
Folha - Alguma vez o sr. já se sentiu afetado por essa histeria?
Cabrera Infante - Sim, claro. Londres costumava ser uma cidade muito civilizada no que diz respeito ao charuto. Agora, ele é proibido na maioria dos lugares. Esse é um país que imita qualquer coisa que se faça nos EUA.
Folha - E as restrições a propagandas que apelam para o "lado saudável de fumar"?
Cabrera Infante - Há muita hipocrisia de gente que odeia fumar e cheira cocaína como se essa fosse uma espécie de pó sagrado. Há também os políticos, como os daqui da Inglaterra, que imitam os políticos americanos.
Tem um caso de um colunista de gastronomia, um espanhol, que estava num restaurante em Nova York. Ele tirou um charuto do bolso e, imediatamente, foi impedido de fumar pelo garçon.
O espanhol respondeu que iria então fumar na rua. Foi para o meio do quarteirão e acendeu seu charuto. Foi então que ele viu que estava cercado de pessoas aplaudindo-o. É claro que o charuto não era nada modesto. Na verdade, era mesmo gigantesco.
Folha - Qual sua marca preferida de charutos?
Cabrera Infante - O melhor charuto é sem dúvida o Havana. Mas hoje há muita confusão quanto a marcas de charuto em Cuba. Não dá para dizer que esse charuto quer estou fumando é de uma ou de outra marca.
Antigamente, antes de Fidel, o melhor para mim era o Por Larra¤aga. Mas estes não existem mais. A grande fábrica de La Corona produz hoje charutos das mais variadas marcas. Os La Corona, inclusive, não podem ser vendidos no exterior, porque essa marca está protegida pelos antigos proprietários na Suíça.
Folha - Algumas revistas especializadas vêm dizendo que os charutos da República Dominicana estão cada vez mais se aproximando dos Havana.
Cabrera Infante - De fato, eles estão ficando muito bons, porque os plantadores são cubanos exilados na República Dominicana. Eles levaram sementes do fumo cubano e conseguiram produzir uma mistura muito boa, mas aquela grande folha que envolve o charuto e que dá o seu aroma peculiar, não é tão bom quanto a produzida em Cuba. É um processo bem sofisticado, por mais primitivo que possa parecer.

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