São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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O inimigo número um do cigarro

CLAUDIO CSILLAG
DA REDAÇÃO

O deputado norte-americano Henry Waxman, 54, talvez seja o inimigo número um dos cigarros.
Chefe da Subcomissão sobre Saúde e Ambiente do Congresso, dedicou a essas áreas seus 20 anos de atuação parlamentar pelo Partido Democrata.
Em guerra declarada contra os fabricantes e consumidores de cigarros, ele é o protagonista dos últimos shows da cruzada antifumo.
No dia 14 de abril, ele encurralou os principais executivos das sete maiores companhias de tabaco. Hábil, forçou-os a declararem, entre outras coisas, que não sabiam que fumar faz mal à saúde.
Há duas semanas, Waxman chamou para depor o cientista Victor DeNoble, que trabalhou na maior das empresas, a Philip Morris.
O cientista afirmou que a empresa impediu a publicação de um estudo, feito em 1983, que sugeria que a nicotina causa dependência. A Philip Morris reagiu, acusando o cientista de mudar de opinião a respeito da droga.
A partir dessa audiência, ficou mais forte a possibilidade de o Congresso dos EUA concluir que as empresas sabiam que a nicotina vicia e que elas usam o cigarro como um meio para administrá-la.
Ou seja, os cigarros podem acabar sendo regulamentados por legislação similar a dos remédios –um golpe na indústria do tabaco.
Logo após a audiência com o cientista, Henry Waxman concedeu uma entrevista por telefone à Folha.
(Cláudio Csillag)

Folha - Qual foi o testemunho do cientista Victor DeNoble no Congresso?
Henry Waxman - Ele disse que testes no início dos anos 80 com animais de laboratório mostraram que a nicotina apresentou quase todos os sinais de um agente que causa dependência.
Folha - Mas ele não concluiu que a nicotina não causa dependência...
Waxman - Ele não chegou a essa conclusão. Esse foi um dos primeiros estudos a mostrar que a nicotina é uma droga que tem todas as características da dependência em animais. Ele afirmou que era muito provável que causasse dependência no homem.
Folha - Ele explicou por que o estudo foi impedido de ser publicado?
Waxman - De acordo com o testemunho dele, o estudo foi recolhido e seu laboratório foi fechado pela Philip Morris, porque eles não queriam que fossem divulgadas informações que poderiam ser juridicamente prejudiciais a eles.
Ele nos disse algo muito interessante, que ele estava fazendo essa pesquisa porque estavam buscando um substituto para a nicotina.
A nicotina não tem apenas a qualidade de tornar as pessoas viciadas em fumar mas também tem um impacto negativo no sistema circulatório. Essa é uma das razões pelas quais as pessoas sofrem infartos por causa dos cigarros. Eles estavam procurando um substituto e acabaram de fato encontrando um que, para eles, era uma substância análoga muito promissora. Mas a Philip Morris não deixou aquilo ser publicado.
Folha - Quais são as principais consequências da audiência de hoje?
Waxman - O testemunho mostra que os executivos das companhias de tabaco estavam mais interessados em sobrevivência corporativa do que em responsabilidade corporativa quando nos afirmaram que cigarros não causam dependência e que não sabiam que cigarros são nocivos.
Folha - Se eles estavam procurando substitutos, significa que eles queriam algo que não tivesse esses efeitos prejudiciais sobre a saúde, ou seja, eles sabiam que era nocivo pelo menos no sistema cardiovascular.
Waxman - Acho que dá para concluir que era isso o que eles tinham em mente.
Folha - Se o Congresso concluir agora que a nicotina causa dependência e que faz mal para o coração, isso não estimularia muitas pessoas a processarem as companhias?
Waxman - Não sei como responder a essa pergunta. Já houve processos que não foram bem-sucedidos. Acho que o mais importante para nós é saber que não podemos confiar nas empresas de tabaco para se autopoliciarem. Precisamos aprovar regulamentações mais rigorosas sobre o tabaco.
Quero que o Congresso estude a possibilidade de exigir cigarros sem nicotina ou, se houver nicotina, que exibam advertências enérgicas contra ela.
Folha - Que tipo de advertências seriam essas?
Waxman - No momento, nem vejo motivo para que os cigarros contenham nicotina. Kessler (David Kessler, da FDA, órgão que regulamenta drogas e alimentos nos EUA) depôs e disse que o único motivo de haver nicotina é tornar as pessoas viciadas em fumar. Os executivos das empresas disseram que a nicotina aumenta o sabor, mas DeNoble nos disse hoje que a nicotina não tem nada a ver com o sabor.
Estamos tentando criar leis para proteger não-fumantes, evitar que eles sejam forçados a respirar a fumaça de outros. Seria proibido fumar em locais públicos, exceto em áreas ventiladas separadamente.
Folha - Quando essas leis podem ser aprovadas?
Waxman - Espero que ainda este ano. Farei o possível para isso.
Não sou favorável à proibição do ato de fumar ou ao banimento dos cigarros, mas creio que devemos proteger os não-fumantes. Precisamos proteger crianças da fumaça dos outros e das campanhas publicitárias das empresas.
Folha - As empresas dizem que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) manipulou dados para concluir que a fumaça do tabaco é nociva a não-fumantes, que ela pode provocar câncer.
Folha - Sabemos que a indústria de cigarros questionou as descobertas da EPA e que tem um processo contra ela. A indústria também tem um processo contra a rede ABC devido a uma notícia sobre a manipulação de teores de nicotina. Acho que os processos só servem para intimidar seus opositores.
As principais autoridades médicas dos EUA, nos últimos 25 anos, têm dito que a principal medida de saúde pública que podemos tomar seria acabar com o fumo em lugares públicos, porque a fumaça do tabaco é um agente causador de câncer.
Folha - Mas e o argumento de que a EPA manipulou dados para tirar suas conclusões?
Waxman - Não acredito neles. DeNoble, por sinal, disse hoje que ele conhecia, quando estava na Philip Morris, os fatos hoje relacionados à fumaça do tabaco. Ele recebeu um artigo que mostrava que uma planta que recebia fumaça do tabaco acabava morrendo, porque não tinha oxigênio.
Folha - E esse estudo foi conduzido dentro da Philip Morris?
Waxman - Sim.
Folha - Se forem criadas leis muito severas para a comercialização de cigarros, não há o risco de que surja um mercado negro?
Waxman - Não. Vamos permitir que cigarros sejam vendidos.
Folha - O sr. mantém contatos no exterior?
Waxman - Não tenho, mas desconfio que as empresas de fumo dos EUA estão querendo exportar tabaco para o resto do mundo, para compensar os consumidores que estão desaparecendo nos Estados Unidos.

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