São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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`Brasil pode ser exemplo latino-americano'

RICHARD NIXON

Histórias de sucesso serão escritas pelos gigantes do mundo em desenvolvimento
Não existe substituto para a liderança dos EUA. O que não está claro é como liderar

Os Estados Unidos devem tomar a iniciativa de implementar acordos como o Nafta ou o Gatt, porque eles abrem nossos mercados aos países em desenvolvimento, além de criar mercados para o capital e os bens de consumo e serviços dos países desenvolvidos.
Um dos principais motivos para se apoiar o livre comércio com o mundo em desenvolvimento não é econômico, mas político. Alguns setores se opõem ao livre comércio com o México e outros países porque acreditam que a indústria norte-americana ficaria em desvantagem competitiva. Outros se opõem ao comércio com países do mundo em desenvolvimento que não sejam democracias ao estilo ocidental. Mas o livre comércio com esses países faria mais para desencadear reformas políticas do que qualquer ação unilateral que o governo americano pudesse propor.
A lição mais importante que os países em desenvolvimento podem aprender é ignorar os conselhos daqueles que, nos EUA e na Europa Ocidental, ainda acreditam que apenas o caminho socialista leva ao paraíso econômico. O último refúgio dos marxistas são as instituições de desenvolvimento econômico que vêem soluções estatais em lugar de soluções baseadas no mercado como a chave para o crescimento. Eles pensavam que o desenvolvimento econômico liderado pelo Estado levaria à independência econômica. Em vez disso, leva a um beco sem saída econômico.
Há 40 anos, na condição de vice-presidente, eu visitei todos os países da Ásia exceto a China comunista. Líderes políticos, jornalistas, professores e estudantes nas nações recém-independentes discutiam quais políticas produziriam progressos rápidos. Alguns estavam seduzidos pelo modelo soviético; outros, pelo modelo comunista chinês, enquanto outros ainda eram favoráveis ao modelo socialista democrático que na época ganhava popularidade na Europa Ocidental.
Agora a questão deixou de ser discutida. O modelo comunista foi rejeitado pelos povos da ex-União Soviética e Europa Oriental. Os chineses ainda têm um governo comunista, mas utilizaram políticas econômicas de livre mercado para criar crescimento espetacular.
O socialismo democrático foi testado em países tão diversos quanto a Suécia, França e Índia, e ficou comprovado que não funciona. As políticas econômicas de livre mercado são a onda do futuro, mas elas não produzem prosperidade instantânea nem ininterrupta. As nações que têm políticas de livre mercado passam por períodos de recessão, de crescimento lento e de crescimento demasiado rápido. Uma política econômica de livre mercado terá inevitavelmente seus êxitos e seus fracassos. Mas o mercado livre é o único sistema capaz de desencadear o potencial produtivo de uma nação.
Se o único interesse de um povo é a estabilidade, ele não deve optar por uma economia de livre mercado. Os mercados livres são instáveis por sua própria natureza. Um filósofo do século 19 comparou o capitalismo a um vendaval de destruição criativa.
Uma economia comandada pode produzir estabilidade, mas ao custo de reprimir a criatividade. Um sistema de livre mercado encoraja a criatividade, ao custo da instabilidade. Assim, a escolha que se coloca é entre o progresso econômico ao custo de alguma instabilidade, ou a estabilidade a custo de nenhum progresso.
Os "supply-siders" (proponentes da teoria segundo a qual um país pode conquistar estabilidade econômica e controlar sua inflação através do aumento da oferta de bens e serviços), keynesianos, monetaristas e proponentes de outras teorias econômicas continuarão a debater os méritos de suas diferentes políticas. A chave é a livre discussão sobre o que funciona ou não e a disposição de descartar políticas que fracassaram e ampliar o âmbito daquelas que deram certo.
Quando aconselhamos os dirigentes de páises em desenvolvimento, precisamos descartar a idéia de que temos todas as respostas prontas, pois a essência do livre mercado é que não existem respostas cem por cento certas. Se existissem, todos nós seríamos bilionários.
Um das histórias mais inspiradoras dos últimos 50 anos tem sido a dos países que estavam atolados na miséria após a Segunda Guerra Mundial, mas que adotaram as políticas econômicas apropriadas e desencadearam espantosos progressos sociais e econômicos.
China, Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura, Malásia, Tailândia, Chile e outros deram certo porque enfatizaram alguns princípios econômicos básicos, como impostos mais baixos, menos regulamentações governamentais, mercados abertos e indústrias competitivas, e deram prioridade à educação.
Esses princípios abriram suas economias e as integraram com aquelas do mundo desenvolvido. Progressos deste tipo estão ao alcance de todas as nações. Num prazo de duas ou três décadas, qualquer país pode se libertar da pobreza e engrossar as fileiras das nações em processo de industrialização recente.
Ajudando países em vias de desenvolvimento a adotarem políticas baseadas no crescimento, os países desenvolvidos podem fazer enormes contribuições positivas ao bem-estar de seus próprios povos e à prosperidade de todos os povos.
As histórias de sucesso da próxima geração serão escritas pelos três grandes gigantes do mundo em via de desenvolvimento –Índia, Brasil e Indonésia–, todos os quais já cobriram o primeiro trecho do caminho rumo à prosperidade econômica potencial.
A Índia, com uma população de 875 milhões, está lentamente abandonando sua reputação de economia socialista. Ela aumentou seu comércio com a Europa Ocidental e os Estados Unidos, reduziu os subsídios às indústrias estatais e fortaleceu a rúpia nos mercados finceiros internacionais. O índice d alfabetização melhorou 120% desde 1960. O PNB per capita subiu de US$ 110 para US$ 310 nos últimos 20 anos.
Apesar do fato de que a Índia sofre conflitos religiosos e civis, ela se tornará uma grande potência no próximo século se prosseguir no caminho rumo à economia de livre mercado.
O Brasil, que tem metade da população da América Latina, deu uma virada econômica notável nos anos 90. Devastado por uma inflação descontrolada, uma dívida externa crescente, infra-estrutura pública decadente e corrupção política amplamente difundida, o governo do presidente Itamar Franco abriu suas portas à reforma econômica.
O PIB brasileiro cresceu 4% em 1993 e a produção industrial aumentou em quase 10%. As exportações aos Estados Unidos aumentaram 80% nos últimos dez anos. As tarifas de importação sobre produtos como carros caíram de 80% para 25% O Brasil ainda enfrenta sérios problemas, mas com esta perspectiva econômica melhor tem potencial para transformar-se em exemplo econômico para o restante da América Latina.
A Indonésia constitui um exemplo notável de como um país em vias de desenvolvimento pode avançar da pobreza ao progresso, através da adoção de políticas de livre mercado. O país, que tão frequentemente passa desapercebido dos especialistas em política externa, é a quarta nação mais populosa do mundo, depois da China, Índia e Estados Unidos. É a maior nação muçulmana do mundo, com mais habitantes do que todas as nações árabes juntas.
Durante os últimos 25 anos, a proporção de indonésios que vivem em pobreza absoluta caiu de 60% para 15%. A renda anual per capital aumentou de US$ 50 para US$ 650. A política de planejamento familiar reduziu o crescimento populacional anual de 2,4% para 1,8%. A Indonésia sofre os efeitos de corrupção, nepotismo e de um governo autoritário. Mas o progresso em direção à liberdade política já está começando, e irá continuar à medida que a liberdade econômica se expandir.
O Vietnã tem condições de transformar-se numa história de sucesso econômico se romper com as políticas econômicas e as orientações políticas fracassadas do passado. Como seus dirigentes são jogadores implacáveis da política do poder, eles não tardarão a compreender que geopoliticamente não podem se dar ao luxo de retardar seu crescimento econômico com políticas comunistas, num momento em que sua rival mortal, a China, atingiu alto crescimento através de meios capitalistas.
O Vietnã já começou a abrir sua economia a investidores estrangeiros, especialmente aqueles vindos da Europa Ocidental e do Japão. Mas a maior parte de suas reformas econômicas não passa de fachada.
O Egito possui um potencial notável, especialmente quando se leva em conta o fato de que muitas das práticas estatizantes que opunham obstáculos a seu crescimento econômico nos anos 70 e 80 foram revogadas. Sob a corajosa liderança do presidente Hosni Mubarak, o Egito abriu suas portas ao livre comércio com a Europa Ocidental e funciona como passagem econômica entre a Europa e o restante do mundo árabe.
Nos últimos dez anos o país dobrou suas exportações para os Estados Unidos. Com a sinistra ameaça dos fundamentalistas muçulmanos radicais, a superpopulação e a inflação, o Egito se confronta com graves problemas. Mas, na condição de regime muçulmano que é de longe o mais populoso e influente do Oriente Médio, ele merece o máximo de atenção e apoio do Ocidente.
A Tuquia se transformou de refugo econômico em celeiro econômico. A partir da década de 80 o falecido primeiro-ministro turco Turgut Ozal promoveu uma agressiva políca de fim das restrições ao comércio, liberalização da política econôca e integração econômica da Turquia com a Europa Ocidental.
Estas políticas fizeram o PNB per capita da Turquia saltar de US$ 1.400 em 1980 para US$ 2.000 em 1993. O novo governo de Tansu Çiller prometeu manter a Turquia nesse mesmo caminho de reforma econômica.
O México tem sido a "criança prodígio" econômica dos anos 90. Sob a liderança do presidente Salinas, o México aumentou seu comércio com os Estados Unidos, liberalizou as indústrias estatais, restaurou a confiança mundial no peso e eliminou os onerosos subsídios governamentais.
Desde que o México começou a reduzir suas barreiras comerciais, em 1986, as exportaçõe dos EUA subiram de US$ 12,4 ilhões, naquele ano, para US$ 40 bilhões, em 1992. O resultado disto é que o México se transformou na economia mais progressista da América Latina e representa um exemplo para as outras nações.
Houve três grandes guerras neste século –a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Antes de cada uma delas houve conflitos amplamente difundidos. E depois de cada uma houve euforia incontida.
Depois da Primeira Guerra, muitos norte-americanos esperavam que a Liga das Nações pudesse concretizar nossa meta de tornar o mundo seguro para a democracia. Mas o corajoso e eloquente apelo ao idealismo lançado por Woodrow Wilson caiu vítima de seu colapso físico e da oposição das forças isolacionistas no interior dos Estados Unidos. Wilson acreditava que sob a Liga das Nações os países trabalhariam em conjunto para resolver seus conflitos de modo pacífico. Vinte anos depois, as ditaduras do Eixo lançam a Segunda Guerra Mundial.
Após a derrota da Alemanha e do Japão na Segunda Guerra Mundial, o secretário de Estado dos EUA, Cordell Hull, disse num testemunho proferido perante o Congresso: "Não haverá mais necesdade de esferas de influência, de alianças, de equilíbrios de poder ou de quaisquer outras das alianças separadas com as quais, no passado infeliz, as nações procuraram salvaguardar sua segurança ou promover seus interesses".
A ONU foi saudada como a entidade que tornaria possível tudo isto. Em 1946, menos de um ano após o fim da Segunda Guerra e da fundação da ONU, a União Soviética lançava a Guerra Fria.
Após a queda do comunismo soviético na Guerra Fria e a derrota da agressão na Guerra do Golfo Pérsico, a posição amplamente aceita na época era que estávamos testemunhando o início de uma nova ordem mundial. Muitas pessoas acreditaram que a capacidade humana de raciocinar tomaria o lugar do instinto humano de agressão. A morte e destruição na Bósnia constitui apenas um exemplo do trágico fato de que o fim da Guerra Fria entre as superpotências não representou o fim dos conflitos entre potências menores.
O sonho de "paz perpétua" de Immanuel Kant desabou, transformando-se em pesadelo. A isto se soma o fato de que, com a unidade do Ocidente fracionada pelo fim da ameaça à segurança, a arena econômica ameaça transformar-se, parafraseando Clausewitz, numa continuação da guerra através de outros meios.
Será necessária uma liderança poderosa para fazer frente aos desafios que nos confrontam no mundo na era para além da paz. É significativo que nenhum dos atuais líderes do mundo ocidental, embora sejam homens e mulheres capazes, tenha índices de aprovação pública que se equiparam sequer aos de Boris Ieltsin. Churchill observou certa vez que um dos primeiros-ministros britânicos do século 19, lorde Rosebery, "teve a infelicidade de viver numa época de grandes homens e pequenos acontecimentos".
Historicamente, a grandeza dos grandes líderes não tem sido reconhecida a não ser que eles tenham governado em tempos de guerra. Precimos mudar nossa maneira de pensar. Manter a paz deveria ser reconhecido como um acontecimento tão grandioso quanto travar guerras. Aqueles que enfrentam os novos e empolgantes desafios desta histórica era para além da paz ganharão o manto da grandeza, porque terão a felicidade de viver numa era de grandes acontecimentos produzidos por eles mesmos.
Que papel os Estados Unidos irão desempenhar nesta era para além da paz? No início do século 20 não éramos uma superpotência militar ou econômica. Embora desempenhássemos um papel significativo no cenário mundial, a liderança mundial norte-americana não era um fator indispensável para a manutenção da paz. Hoje os Estados Unidos são a nação mais forte e mais rica do mundo.
Está claro que não existe substituto para a liderança americana. O que não está claro é como os Estados Unidos deveriam liderar. A história mostra que as lições do passado podem ser usadas para resolver os problemas do futuro.
Enfrentamos perigos menores do que os que enfrentávamos durante a Primeira Guerra, a Segunda Guerra ou a Guerra Fria. Naquelas três guerras o perigo era tangível –podíamos vê-lo, senti-lo, tocá-lo. Mesmo durante a Guerra Fria, enfrentávamos um perigo claro e presente. Mobilizando nossos recursos econômicos, políticos e militares, os EUA e seus aliados tinham condições de enfrentar e derrotar aqueles perigos.
Com o fim da Guerra Fria a ameaça é menor, mas o desafio é maior. Possuímos sem dúvida alguma os meios de manter o poderio militar necessário para assegurar a paz pela qual fizemos tantos sacrifícios. O custo será muito menor, porque o perigo diminuiu em consequência do fim da Guerra Fria. Mas não temos um inimigo no exterior para nos unir, nem uma causa para nos inspirar. A dúvida profunda é se os Estados Unidos irão se unir em defesa de uma política de liderança mundial esclarecida –uma das maiores causas que qualquer nação poderia ter.

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