São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 1994 |
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Bancos fecham concertos para clientes
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Quando: dia 20 (sexta-feira) e dia 23 (segunda), às 21h Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo s/nº, tel. 011-222-8698, região central) Quanto: CR$ 30 mil (anfiteatro) e CR$ 75 mil (galeria) O recital da soprano norte-americana Katleen Battle acontece daqui a duas semanas, nos dias 20 e 23, no Municipal. A maior parte dos ingressos já está com os patrocinadores e assinantes da Sociedade de Cultura Artística, que promove o evento. A SCA, uma entidade denominada "sem fins lucrativos", está pondo à venda somente lugares de anfiteatro e de galeria – os piores do Municipal, pois possuem visibilidade limitada. Em compensação, os quatro patrocinadores do recital – Banco Itamaraty, Votorantim, Seagram's e Iochipe – terão 380 ingressos na platéia, frisas e balcão nobre. Um deles, o Itamaraty, promove na noite de sábado, dia 20, um coquetel para 320 clientes no fim do espetáculo no salão nobre do teatro. Este é um entre muitos casos de um fenômeno curioso, que tem alterado o perfil do público frequentador de concertos de música erudita no Brasil. O público habitual está sendo delicadamente levado a ceder espaço à clientela de bancos e empresas. Fica de fora. Os patrocinadores de espetáculos eruditos cada vez mais guardam para si a melhor fatia dos eventos. Oferecem concertos de nível internacional para seus clientes. Os exemplos são muitos. Na última quinta-feira, o Banco de Boston e o clube Hebraica fizeram um concerto só para convidados com a Orquestra Ferenc Liszt de Budapeste no teatro Arthur Rubinstein. Em 30 de abril último, a soprana norte-americana Barbara Hendricks cantou para um público formado por mais de 50% de clientes e convidados do Banco Francês e Brasileiro – segundo cálculo do Mozarteum Brasileiro. Gente ocupada. Até um celular tocou duas vezes no meio da apresentação. A empresa de cosmético Vinólia barrou os não-convidados no Municipal em 20 de abril no concerto da Filarmônica de São Petesburgo. Para tanto, bastou pagar ao Municipal o costumeiro aluguel de 20% sobre o total da bilheteria, cobrado pela Secretaria Municipal de Cultura. No próximo 18 de setembro, a prestigiosa Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã, regida por Ricardo Chailly, fará um único espetáculo no Municipal. Só para convidados da empresa Philips do Brasil S.A. O Mozarteum anuncia o paliativo de sempre: a orquestra fará no dia seguinte um concerto ao ar livre no Anhangabaú. Gérald Perret, diretor superintendente da Sociedade Cultura Artística, afirma que os patrocinadores têm direito a boa parcela dos lugares. São 20 em todos os concertos e 300 no evento que escolher, no início do ano. Perret diz que a SCA não revela quantias, vende quotas iguais no início do ano e distribui os coquetéis ao longo da temporada. Os 1.100 assinantes da SCA – que pagaram no início do ano de US$ 290 a US$ 580 por dez espetáculos – completam o público do recital de Battle. A diretora do Municipal, Isabel Sobral, jura que o público do teatro não mudou: "Não há nada de errado. O pessoal da ópera está frequentando os concertos. Sempre há alguma coisa para o público, principalmente nos eventos do Mozarteum". Não pensa assim o professor de economia Wilson Amorim, 30. "O nível dos espetáculos subiu. Mas o público só tem acesso aos ruins. Ele não consegue ir a bons concertos e recitais. Os preços dos ingressos são altíssimos, isso quando há". Amorim se diz espantado com o preço dos ingressos disponíveis para Battle. "Pagar 30 mil passar mal, não ver nem ouvir nada? Isso é um roubo!" O bancário Carlos Ribas, 25, promete enfrentar hoje a fila de Battle. Tentava em vão um ingresso de galeria pouco antes do recital de Barbara Hendricks. "Quando quero ir a concertos, tenho que me contentar com o péssimo som ao ar livre e com programas de clássicos populistas", comenta. Perret acha que o público para o gênero está crescendo e não vê as exigências dos patrocinadores como prejudiciais ao acesso à cultura por parte da população. "O grosso do público de música erudita está bem servido porque compra as assinaturas no início do ano", diz Perret. "Vivemos numa democracia e quem quiser fechar o teatro para seus clientes tem o direito de fazê-lo". Texto Anterior: Juiz condena uso de símbolos de Carmen Miranda em publicidade Próximo Texto: Heitor TP traz seu jazz-pop ao Palace Índice |
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