São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 1994
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Um voto apartidário e não ideológico

HÉLIO BICUDO

Diante de comentários que a imprensa vem fazendo a propósito do relatório sobre o "affaire" Fiuza apresentado à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, comentários que não se fundamentam nos fatos e apreciações a eles relativos, penso ter o dever, diante da sociedade, de esclarecer em profundidade toda essa questão, para que não se tenha dúvida da posição de um voto que foi apartidário, não ideológico, baseado nos fatos e no direito aplicável.
Vejamos.
Ao contrário do que se vem afirmando, um dos pontos altos –se é que houve algum– da defesa do deputado Ricardo Fiuza não "foi a exibição de um documento da Receita Federal atestando que, após devassa de 17 auditores durante meses em suas contas particulares e em suas empresas, nada foi encontrado que justificasse autuação e multa". Em relação a esta assertiva, cumpre esclarecer que o deputado não foi acusado pela CPI do Orçamento e, por conseguinte, não está sendo acusado pela representação da Câmara dos Deputados, da prática de irregularidades nas suas declarações de renda que justificasse autuação e multa.
Trata-se, na verdade, de expediente meramente diversionista tendente a desviar a atenção das acusações que pesam contra ele e que são: 1) de ter alterado o texto do Projeto de Lei Orçamentária para 1992, nele encartando emendas, depois de aprovado o seu texto na sessão plenária do Congresso Nacional de 19 de dezembro de 1991; 2) de não ter adotado medidas, primeiro como relator-geral da Comissão Mista de Orçamento e depois como ministro da Ação Social, para que o esquema montado para a indevida fruição de verbas públicas não tivesse prosperado. Neste particular, convém assinalar que o deputado em questão, beneficiou, com as emendas que acresce ao Orçamento de 92, as chamadas entidades "tradicionais", todas elas ligadas ao esquema de corrupção advindo da atuação da Comissão Mista de Orçamento; 3) de ter celebrado, por intermédio de sua empresa, a Cia. Agro Industrial Jaçanã, empréstimos com cláusulas não uniformes com a Caixa Econômica Federal; 4) de ter se beneficiado de extensão de linha de distribuição de energia elétrica da Cemar (Companhia Energética do Maranhão) para a Fazenda Vargem Bonita, de sua propriedade; 5) de ter praticado inúmeras irregularidades constantes do relatório da Subcomissão de Assuntos Patrimoniais e Fiscais.
O deputado Ricardo Fiuza não "mostrou documentos da Caixa Econômica Federal atestando que os empréstimos feitos para suas empresas seguiram normas contratuais e taxas de mercado, sem favorecimento". Na verdade, só apresentou um documento da Caixa Econômica Federal, o ofício Dirco 459/93, assinado pelo então diretor comercial, sr. José Lindoso de Albuquerque Filho.
Neste ofício, o sr. Lindoso afirma, em síntese, que: a) não houve qualquer excepcionalidade na operação realizada em 08/05/91, um crédito especial no valor de US$ 1,7 milhão; b) foram cobrados juros de mercado, argumento usado pelo deputado para alegar que não houve favorecimento; c) não foram utilizados recursos do Orçamento da União na operação.
Para investigar esta e outras operações, foi instalada uma Comissão de Sindicância (portaria Sureg/AL nº 016/93) que concluiu pela existência de irregularidades desde a concessão do primeiro empréstimo (21/01/91) até a transferência (12/12/91) deste para a Usina Bititinga, quando as garantias originadas pela autoridade concessora (CEF) não foram mantidas, tratando-se, na verdade, "de um artifício para afastar a responsabilidade dos Fiuza perante as operações com a substituição de `verdadeiros laranjas' que não possuem bens para garantir o contrato" (cf. pág. 22 da sindicância mencionada).
O relatório da Comissão de Sindicância nos informa também que a operação do dia 08/05/91 foi autorizada diretamente pelo presidente da CEF, Alvaro Mendonça, a despeito dos pareceres técnicos contrários a sua efetivação. Ainda em relação à cobrança ou não de juros, a mesma sindicância informa que, nas negociações havidas em dezembro de 1991, portanto depois da operação citada pelo ex-diretor da CEF, foram recalculados os juros, fazendo-se incidir, de forma retroativa, apenas a TR para a definição dos valores que seriam repactuados em 30/12/91.
Por fim, o argumento de que não foram utilizados recursos do Orçamento nos empréstimos é falacioso, pois a CEF é uma empresa pública cujo único acionista é a União. Qualquer operação que incorra em prejuízo à CEF dilapida o patrimônio público.
Como se vê, não há que falar em voto dúbio, pois, em todos os pontos que aborda, resta esclarecida, com base em fatos, a responsabilidade daquele parlamentar quando violou o decoro e incidiu na sanção do "impeachment".

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