São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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Cólera e responsabilidade

VICENTE AMATO NETO; JACYR PASTERNAK

VICENTE AMATO NETO
JACYR PASTERNAK
A cólera chegou a São Paulo, consumando visita prevista, pois sabia-se que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Até que demorou e o impacto vai, seguramente, ser menor neste Estado do que em outros.
A situação aqui, quanto ao saneamento básico, é claramente melhor se comparada à vigente no Nordeste e no próprio Estado do Rio de Janeiro. O descaso a que relegaram essa fundamental providência neste país foi, felizmente, menos expressiva no território paulista e louvamos a atuação da Sabesp, órgão estatal cuja ação afigura-se louvável sob vários aspectos, como na ampliação do fornecimento de água tratada e clorada à população.
Esse trabalho cotidiano mostrará agora seus frutos e lembramos que, quando as epidemias relacionadas com a via hídrica não nos ameaçavam tanto, existiam pessoas que resmungavam dos gastos ligados a tais labores, que ainda por cima em geral rendem juros políticos, já que obras debaixo da terra ninguém vê, mas elas, subterrâneas, evitam que cidadãos sejam depois enviados também para os famosos sete palmos.
Ficamos para trás, lamentavelmente, no controle dos esgotos e cuidados a eles pertinentes. O fato tem explicações: são realizações mais caras e complexas. Não utilizamos isso como desculpa e citamos apenas como informação; ainda assim, não estamos tão mal nesse particular e, sem dúvida, sucederão esforços para advirem rápidas melhoras.
A prevenção da cólera depende de ações governamentais e não há como fugir disso. Mas depende, outrossim, como tantas moléstias infecciosas, da colaboração da comunidade no que ela pode fazer.
Todos, sem exceção, devem lembrar que a doença existe e está por aí, não atingindo os que usarem água potável de qualidade indiscutível, os que clorarem quando necessário, os que se precaverem não consumindo alimentos potencialmente contaminantes vendidos amplamente em condições precárias diante da complacência dos setores de vigilância sanitária ou, inclusive, os que ensinarem seus filhos que poças atingidas por esgoto não são os melhores lugares para brincar.
Saúde pública tem íntima ligação com educação e comumente epidemias acontecem exatamente quando essas duas áreas são mal contempladas com investimentos prioritários, caracterizando parte da enorme dívida social atualmente presente de forma marcante.

VICENTE AMATO NETO, 65, médico infectologista, é chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP. Foi secretário da Saúde do Estado de São Paulo.
JACYR PASTERNAK, 53, médico infectologista, é chefe de gabinete da Superintendência do Hospital das Clínicas e membro do Grupo de Transplante de Medula Óssea do Hospital Albert Einstein.

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