São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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Impunidade e mortalidade infantil

LUÍS NASSIF

É bem provável que estudiosos da moderna ciência do crime, tenham desenvolvido alguma teorema da impunidade, que defina a relação entre o nível de desperdício e roubalheira de recursos públicos e o nível de impunidade do país.
Mais que uma questão ética, a impunidade interfere diretamente na qualidade de vida das populações de menor renda, na eficiência da economia, nas relações sociais como um todo, no próprio projeto de Nação.
Setores incumbidos de punir malversações de dinheiro público, tem uma responsabilidade perante o país que vai muito além do mero ato de dar satisfações à opinião pública. Constituem-se em peças fundamentais em qualquer projeto de modernização do país e de implantação da cidadania.
Por isso mesmo, é injustificável a maneira como os setores responsáveis pela defesa do patrimônio público tem se comportado.
Até agora, não se deflagrou a operação mãos limpas no país unicamente por falta de vontade política. Existem fatos criminosos em abundância, indicíos consistentes em todas as áreas e legislação disponível.
Não se pune, porque não se quer.
Quem quer faz
Em 1989, o procurador estadual paulista Dráusio Barreto conseguiu bloquear os bens de três acusados de corrupção no governo Quércia, com base na lei Bilac Pinto, de 1958 –repito, lei de 1958.
Dráusio foi afastado e o processo emperou no Ministério Público estadual. Posteriormente, em 1990, a lei foi reeditada pelo governo Collor, sob o nome genérico de "lei do colarinho branco".
Com pouco tempo de atuação independente, o procurador Draúsio conseguiu bloquear patrimônios de acusados, equivalentes a US$ 40 milhões. Obrigou uma empreiteira de serviços públicos a devolver US$ 6 milhões tomados ilegalmente à Caixa Econômica Estadual e impediu o pagamento ilegal de US$ 206 milhões pela Cesp (Companhia Energética de São Paulo).
Na Itália, todo o trabalho desenvolvido pelos "mãos limpas" não possibilitou o ressarcimento de mais de US$ 154 milhões ao Estado italiano. A diferença de valores dá uma pálida idéia da falta de controle que contaminou todo o setor público brasileiro.
Álibis falsos
Enquanto isto, o procurador-geral da República, Aristides Junqueira, justificava a falta de ação de sua corporação pela ausência de instrumentos legais. O procurador Barreto comprovou na prática que o argumento era falso.
Quando teve início a CPI do Orçamento, ante evidências gritantes de que dinheiro público havia sido malversado e que havia riscos de que fossem desviados, o procurador Barreto representou junto ao Ministério Público Federal, na figura de Aristides Junqueira, para que solicitasse o bloqueio dos bens dos suspeitos, antes que as garantias desaparecessem.
Aristides recusou-se, alegando que os suspeitos eram protegidos por imunidade parlamentar. Barreto retrucou que a imunidade era apenas contra ações criminais, não contra ações civis. Em vão.
Quando a grita tornou-se mais forte, Aristides convocou a imprensa para anunciar que o MPF passaria a recorrer à "lei do colarinho branco". Ganhou espaço em todos os jornais.
Quase seis meses depois, nada foi feito. Ficou-se apenas nas palavras.
Pior. Quatro dos deputados acusados pela CPI do Orçamento renunciaram ao mandato, perdendo a imunidade. Barreto representou novamente junto ao procurador-geral, para que bloqueasse seus bens. Novamente, nada foi feito.
A incúria do procurador permitiu que, tempos depois, o deputado João Alves pudesse debochar de toda a Nação, informando que seus bens pessoais se limitavam a quinquilharias.

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