São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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Até Elis desafinava no `Fino da Bossa'

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Disco: Elis Regina no Fino da Bossa
Intérpretes: Elis Regina, Dorival Caymmi, Jair Rodrigues, Gilberto Gil, Jorge Ben, Wilson Simonal, Zimbo Trio, Os Cariocas e Baden Powell
Produção: Zuza Homem de Mello
Lançamento: Velas
Quanto: 45 URVs (caixa com três CDs)

A cantora gaúcha Elis Regina (1945-1982) ainda é considerada por muitos a maior intérprete já surgida na música brasileira. Se não foi, chega perto na recém-lançada coletânea "Elis no Fino da Bossa" (Velas).
São três CDs com cerca de 45 minutos cada um que juntam 64 faixas inéditas da intérprete, gravadas ao vivo durante o programa "O Fino da Bossa" da TV Record entre 1965 e 1967.
Elis reaparece em seu auge artístico, secundada pela elite da música popular brasileira, do já então consagrado compositor e cantor Dorival Caymmi aos iniciantes Gilberto Gil e Jorge Ben.
Naturalmente chamar Elis de a maior se trata de um exagero de xintoístas que adoram os seus antepassados para se pouparem do trabalho de enxergarem o presente.
Elis foi a maior cantora dessa época intermediária entre a bossa nova e o tropicalismo. Depois, viveu de repetições, ainda que tenha feito sucesso e lançado novos compositores.
A idéia, o material e a produção da coletânea é do crítico Zuza Homem de Mello, que afirma no livreto dos CDs que Elis foi "a maior cantora nascida no Brasil". Talvez porque Carmen Miranda tenha nascido em Portugal.
`Nunca me diverti tanto na minha vida", declarou a cantora em 1978 ao produtor sobre "O Fino da Bossa". Na época, Zuza já pensava em lançar os velhos registros em disco e Elis se entusiasmava com a possibilidade.
Na mesma entrevista, define a importância do programa: "Ele chegou e disse, nós gostamos de música, nós fazemos música porque nossa vocação é fazer música e aqui não tem coringa".
Ela foi a rainha da TV nas noites de quartas-feiras à noite, quando o programa ia ao ar em VT gravado nas segundas. Apresentava o programa e ficava com as melhores músicas.
Os discos mostram Elis se divertindo até demais. Surge rindo em momentos inoportunos, quando as letras falam de como o Brasil é miserável (cacoete típico dessa época de canção de protesto). Ela ganhou até o epíteto de "cantora de TV" porque foi a primeira a ter tempo e espaço para se projetar diante das câmeras.
Dominava a cena musical numa época em que grandes músicos podiam desafinar à vontade e improvisar. Ela própria errava o tom várias vezes, algo que nunca se deu em seus discos de carreira.
A desafinação maior acontece na faixa "Somewhere" (Leonard Bernstein-Stephen Sondheim), gravada em 7 de junho de 1966 com o grupo vocal O Quarteto. Elis grita demais e se mostra insegura em cantar em harmonia.
Erros, palmas, conversas e assobios dão frescor aos registros. A coletânea prova que "O Fino da Bossa" marcou o fim da bossa nova. O banquinho e o violão dão lugar aos agudos berrantes de Elis e a letras engajadas. Até a eclosão do Tropicalismo, a cantora se manteve na vanguarda.
Suas idiossincrasias fizeram-na perder o pé da história e levaram o programa à obsolescência. Não suportava rock. Em 1967, quando "O Fino" já fazia água e Caetano acontecia, promoveu a famosa passeata contra a guitarra elétrica.
Proibia a entrada do pessoal da Jovem Guarda no programa. Roberto e Erasmo nem precisavam, pois tinham programa próprio.
Jorge Ben participava dos dois programas e foi proibido de frequentar "O Fino" pela própria Elis. A gravação de Jorge Ben em 8 de novembro de 1965, cantando "Agora Ninguém Chora Mais", é a faixa mais progressista do disco. Aquele tipo de harmonia modal e de violão rítmico não combinavam com os pot-pourris de sambão que Elis e Jair cultivavam. "Elis no Fino da Bossa" serve mais às saudades do que ao futuro.

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