São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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Escreva seu obituário enquanto é tempo

DAVID DREW ZINGG
EM NOVA YORK

As forsítias amarelas primaveris e os botões brancos do arbusto corniso estão em plena flor no Central Park. Enquanto passeio pelo parque para observar este milagre que se repete anualmente, meus pensamentos voam longe, lembrando os prazeres sazonais de piqueniques feitos com namoradas em verdes gramados. Esta lembrança agradável leva meus pensamentos errantes à expressão mais poética dos jornais –o obituário.
O obituário matinal lido durante o café da manhã é uma forma de arte que é elevada a um alto nível de diversidade nas páginas do "The New York Times". Os critérios para decidir quem é incluído, além das hierarquias de colocação dos nomes nas valiosas páginas do jornal, são misteriosos, do mesmo modo que acontece com os famosos anúncios de casamentos no "Times".
Quando vosso tio Dave se casou, pela única vez em sua vida, ele e sua futura mulher apareceram na cobiçada página de casamentos do "Times". Como Dave, na época, não passava de um promissor office-boy na redação da NBC, o consenso geral era que a única razão possível era a família banqueira de sua noiva. É extremamente improvável que o Velho Office Boy Dave faça jus ao mesmo espaço no "Times" quando pagar sua derradeira conta de bar.
A arte de escrever uma boa manchete de obituário não é coisa a ser desprezada. Uma boa manchete de obituário constitui a mais alta expressão da arte de um redator de manchetes. Como acontece com outras formas de poesia, a chave para uma boa manchete é a compressão. O redator tem que resumir a vida de uma pessoa e pode considerar-se sortudo se tem cinco palavras com que fazê-lo.
Seria preferível ser esquecido completamente ou recordado como "Jackson Weaver, 72, voz de Smokey Bear"? Apenas isso, estendido a frio na página, parece de algum modo insuficiente. O sr. Weaver provavelmente criou uma família maravilhosa e fez milhares de caridades para seus vizinhos, mas o "Times" não se ocupa de coisas desse tipo.
Eu não leio o obituário no mesmo espírito de muitos senhores de idade, para ver quais dos meus companheiros de tragos resolveu bater as botas. A longo prazo, você está apenas provando que consegue passar o dedo na chama de uma vela sem queimá-lo.
Sou como uma amiga minha, repórter de outro grande jornal nova-iorquino, "The Observer". Ela resolveu não esperar que o Grande Barman do Céu mande vir um drinque para ela. Só para se precaver, ela resolveu fazer o que os repórteres do "Times" fazem. Ela já escreveu seu próprio obituário com antecedência. Está prontinho, dentro de seu computador. O nome do arquivo é "Vanitas".
Acredite em mim
Comentário ouvido no Brook Club: "Eles mentiam tanto que tiveram que contratar outra pessoa para chamar o cachorro deles".
Segundo ato
"Não existe segundo ato na cultura americana", disse Scott Fitzgerald. A nova peça de Arthur Miller, "Broken Glass", é uma tentativa comovente do velho mestre de emergir de um silêncio que se prolongou por uma década. A peça foi bem montada pelo diretor John Tillenger, mas não consegue convencer inteiramente. A história trata de conflitos potencialmente gregos de repressão sexual e política. E, apesar de conter grandes momentos, acaba resvalando para um final mal resolvido.
A participação marcante de Amy Irving, ex-mulher de Steven Spielberg, faz com que a peça quase valha a pena. Diferentemente de seu primeiro casamento, "high-profile", "o atual casamento de Irving com o cineasta brasileiro Bruno Barreto mal consegue marcar um ponto na escala de fofocas de Hollywood", disse o "Daily News".
A embaixatriz cortesã
Pamala Harriman é tão elite quanto se consegue ser em Nova York, que sabe reconhecer uma elite quando a vê pela frente. Pamala Harriman é também a atual embaixatriz dos Estados Unidos na França.
Durante os nada saudosos anos Reagan-Bush, Pamala Harriman era conhecida como a primeira-dama do Partido Democrata. Não foi em vão. Pamala Harriman se tornou uma das maiores defensoras de Bill Clinton.
Ciente de como são escolhidas as embaixatrizes para lugares como Paris, Pamala Harriman saiu um dia e levantou a pífia soma de US$ 5 milhões para o candidato.
Pamala Harriman estava preocupada com as chances de Clinton. O problema era que seu hábito de manter -hã, hã– uma vida sexual ativa poderia levá-lo a perder a eleição.
O engraçado disso tudo é que Pamala Harriman possui um gosto próprio por brincadeirinhas eróticas. Um biógrafo com o nome "verry" nova-iorquino de Christopher Ogden está revelando os detalhes num livro sobre Pamala Harriman, chamado "Life of the Party" (A Alma da Festa). O livro abre algumas malinhas que mesmo os mais lidos inspetores de alfândega devem achar interessantes.
Só para te dar uma idéia do que se trata, Joãozinho: o nome inteiro da dama em questão é Pamala Digby Churchill Hayward Harriman. Leland, o marido de sobrenome Hayward, qualifica a embaixatriz de "uma das maiores cortesãs do século".
A residência de Pamala Harriman em Georgetown, Washington, aparentemente contém cartas de amor de nada menos do que três importantes participantes da conferência de Yalta. Para vocês aí no fundo da classe, Yalta foi a conferência na Seguda Guerra Mundial que dividiu o mundo do pós-guerra. Presentes a ela estavam seu marido, Stalin, Churchill e Roosevelt.
Compreensivelmente, Pamala Harriman não está exatamente promovendo o novo livro, pelo qual editores franceses estão fazendo lances cada vez maiores.
Por algum motivo, vosso tio Dave acha que os coraçõezinhos gálicos dos franceses vão se abrir ainda mais para a Madame Embaixatriz Pamala Harriman.
Não chores por mim
A razão pela qual homens fortes choram a morte de um herói não é necessariamente o fato da perda impensável de uma figura pública notável, fossem quais fossem seus talentos excepcionais. Durante o extraordinário luto de uma semana de duração, o que o Brasil chorou foi mais o próprio Brasil do que o ás das pistas de corridas, repentinamente desaparecido.
O Brasil chorou, e ainda chora, o fato de que Senna era a última chance de uma nação que já teve todas as oportunidades para prosperar e que descartou todas, com a mesma violência da curva fatal de Ímola, um nome que lembra estranhamente a palavra "imolar".
Já faz tempo demais que empresários, políticos (de ambos os lados) e a maioria dos proprietários dos meios de comunicação eletrônicos se dão as mãos numa dança ininterrupta que impede esta grande nação de atingir a grandeza. Seu minueto egoísta e autocentrado acabou por levar o Brasil a um beco sem saída e sem heróis.
Senna foi o último dos homens admiráveis de sua geração. É tragicamente difícil imaginar um Brasil que consiga passar pela curva final e emergir orgulhosamente na reta de chegada, erguendo a bandeira do vencedor.

Tradução de Clara Allain

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