São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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A saúde pública não é massa de manobra política

PAULO MALUF

A saúde de um povo depende de múltiplos fatores estruturais e conjunturais cujos resultados serão tanto melhores quanto maior o grau de interação entre governo e comunidade.
Ao assumir a Prefeitura de São Paulo, encontrei o sistema de atendimento médico da cidade absolutamente deteriorado, principalmente do ponto de vista de sua eficácia operacional. Conceitos modernos de hierarquização, regionalização e resolução foram substituídos por atendimento e demanda desorganizados, concomitantes a grande inchaço administrativo. Unidades de assistência foram transformadas em comitês partidários, destinados a usar a justa insatisfação frente à qualidade de atendimento como substrato de movimentos de tonalidade panfletária.
Esse grupo político, independentemente de ser ou não governo, no lugar da busca sincera e da melhoria de qualidade do atendimento médico à população infiltrou-se no sistema de saúde contrapondo-se a qualquer tentativa real de mudanças estruturais.
Baseados em falsas e hipócritas teses de defesa do setor público, dos trabalhadores e da democracia, rejeitam o debate de iniciativas que não sejam suas, desarticulam manifestações onde não tenham hegemonia e manipulam a população pela desinformação ou pela contra-informação. Fogem do debate de novos métodos preferindo o uso de chavões e conceitos de forte conteúdo populista.
Este comportamento é particularmente extemporâneo num momento especial da vida da humanidade, no qual se recolocam forças políticas, não mais centradas em pontos de vista ideológicos ou simplesmente doutrinários, mas buscando, isto sim, eficiência e eficácia no gerenciamento do bem público para o benefício do próprio povo. O que ocorre na saúde constitui exemplo marcante do comportamento nefasto de alguns setores políticos desatualizados.
Na sua concepção leninista de poder e de partido, pretendem manipular a estrutura médica para fins políticos. Hostilizam quaisquer inovações montando suas barricadas no discurso do "interesse dos trabalhadores", tentando evitar que a espúria parceria entre funcionários militantes e a estrutura cartorial de poder seja desarticulada.
Confirmação desse comportamento pode ser observada na reação obstinada que alguns setores políticos têm oferecido a um projeto piloto que estamos implementando no distrito de Campo Limpo. Projeto que pode representar passos sólidos rumo à rearticulação do sistema de atendimento à saúde no Brasil.
Baseia-se no princípio de parceria entre o governo e a sociedade, esta última no caso representada pela Associação Paulista de Medicina. Pretende-se conferir individualidade orçamentária ao distrito, municipalizar todas as unidades de assistência e, principalmente, instituir sistemas de gerenciamento e controle eficazes.
Além disso, serão associadas às unidades básicas cem equipes do projeto "saúde da família" pretendendo estender o atendimento primário até a intimidade dos lares do distrito.
Independentemente de reações orquestradas, o Executivo municipal, baseado na autoridade que lhe foi conferida pelas urnas, implementará sua proposta nos caminhos da lei. O resto fica para os profissionais do confronto e do caos sem os quais seus projetos perdem o sentido.
A saúde pública não é massa de manobra política.
A saúde pública merece respeito.

PAULO SALIM MALUF, 62, é prefeito da cidade de São Paulo. Foi deputado federal (PDS-SP), prefeito de São Paulo (1969-71) e governador do Estado de São Paulo (1979-82).

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