São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O "mas" e a vírgula

JOSUÉ MACHADO

Alguns escribas não conseguem escrever o "mas" sem grudar a ele uma vírgula; é como se a vírgula fizesse parte da conjunção adversativa. Há muitos exemplos por aí.
"Mas, Itamar optou por um jogo miúdo e vaidoso."
"Mas, Fiúza e João Alves têm cara de inocente."
"Mas, Collor se preparava para candidatar-se."
Essas vírgulas pegaram mal até em composições escolares juvenis. Não existem, embora o Jânio Quadros gostasse muito de usá-la dessa forma. O fato é que, apesar de a vírgula indicar pausa, nem sempre a pausa pode ser representada por vírgula.
A virguleta só vai bem depois de "mas" quando antecede uma palavra ou grupo de palavras a que se quer ou se deve dar destaque. Ou pôr em evidência, como preferem os puristas que rejeitam "destaque" por galicismo.
"Mas, provincianamente, Itamar optou por um jogo miúdo e vaidoso."
"Mas, por serem honestos, Ricardo Fiúza e João Alves têm cara de inocente."
"Mas, lembrando que São Paulo sabe votar porque já o elegeu antes, o Caçador de Marajás se preparava para candidatar-se."
Uma variação:
"Mas, confiando na rapidez e na eficiência da Justiça, o Caçador de Marajás se preparava para candidatar-se."
Enfim, advérbios, locuções adverbiais e orações intercaladas podem ser cercados por vírgulas depois de "mas". É claro que o advérbio só será separado por vírgulas quando for preciso dar realce a ele. E isso nem sempre ocorre; se ocorre, vírgula antes e depois. Portanto, a vírgula não é enfeite e não se relaciona com o "mas" e sim com as palavras que vêm depois dele. Uma antes, outra depois. Ou uma na frente, outra atrás.
Tragédia no pântano
Um jornal revelou um dia destes sem nenhuma emoção uma tragédia terrível, ao anunciar o lançamento do Pointer, novo carro da Volkswagen. Já se sabe que o sensacionalismo costuma ser de mau gosto, mas a sobriedade nesse caso é chocante:
"Aí começou a fase de protótipos e pilotos, com testes de 1,5 milhão de quilômetros que absorveram 33 pilotos e 44 carros."
Absorveram 33 pilotos.
Não é trágico? O roteiro dos testes provavelmente era semeado de áreas pantanosas e de areias movediças, que "absorveram" os pobres pilotos e os carros novinhos. E a indústria poderosa reduziu a tragédia à insignificância de poucas tímidas linhas. Uma injustiça.
Absorveram. Está aí um bom exemplo de adequação do verbo à ação.

Texto Anterior: QUATRO SAÍDAS PARA SARNEY
Próximo Texto: General Dilermando Gomes morre aos 81
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.