São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
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`A Rainha Margot" é épico constipado

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Com uma constelação de estrelas européias liderada por Isabelle Adjani ("Camille Claudel"), o cinema francês apresentou ontem sua pretensa mais forte carta na competição com "A Rainha Margot" de Patrice Chéreau. O tombo foi proporcional a pretensão.
"A Rainha Margot" é outra superprodução estilo "Germinal" (1993), não por coincidência tendo o mesmo Claude Berri, diretor da versão de Émile Zola, agora como produtor da nova adaptação do original de Alexandre Dumas.
O projeto é o mesmo: partir de um clássico literário, montar uma produção milionária, rechear o filme de estrelas e apostar na campanha publicitária e no nacionalismo francês. Dá no que dá.
Chéreau trai de saída Dumas ao transformar um romance histórico complexo, maquiavélico mas fluente num filme de época frio, arrastado e plano.
Este novo "A Rainha Margot", anteriormente levado às telas em 1954 com Jeanne Moreau, é obscenamente oportunista.
O episódio central do filme é o massacre da Noite de São Bartolomeu (agosto de 1572), em que 6.000 protestantes foram massacrados em Paris pelos católicos da corte do Rei Charles 9º.
Na coletiva de ontem, Chéreau reconheceu ter forçado paralelos com o Holocausto nazi e a atual carnificina na ex-Iugoslávia.
O resultado é uma sequência interminável que busca o efeito fácil do golpe de espada seguido pelo sangue jorrado. O humanismo pretendido cai por terra diante do cine-sensacionalismo mais rasteiro.
Chéreau parece crer que para realizar um drama histórico basta lotar um set de estrelas como Adjani no papel-título e Daniel Auteil.
Estamos a anos-luz da precisão shakesperiana da "Joana, A Criada" de Jacques Rivette, citando o mais próximo dos exemplos.
"A Rainha Margot" representa o símbolo acabado da cilada em que se meteu o cinema francês que se pretende industrial.
Aposta-se tudo no excesso, de estrelas, de dinheiro, de duração (2h44), como que numa demonstração de capacidade de realização.
É como se Paris dissesse para Hollywood: "Eu também posso". Faz-se o filme, mas de regra ele é grandiloquente, pomposo e chato.
O típico gênero cinematográfico francês é agora o épico constipado.

O crítico AMIR LABAKI está em Cannes a convite da organização do festival

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