São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bread and Puppet faz espetáculo ecochato

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"A Paixão de Chico Mendes" é das peças mais maniqueístas, infantilizadas, paternalistas que passaram nos últimos anos por São Paulo. Ainda assim, a estréia no Páteo do Colégio, quinta-feira, teve a sua aura, teve algo para prender o público.
O motivo está muito menos na peça da companhia americana Bread and Puppet e mais no próprio Páteo do Colégio. Não é de agora que a pequena praça, cercada por edifícios históricos de São Paulo, revela ser o melhor palco para o teatro de rua, no centro.
Já passaram por lá montagens de Romero de Andrade Lima, que descobriu o melhor do lugar, Zé Celso Martinez Corrêa, até Gerald Thomas, sem falar do grupo australiano Stalker Stilt Theater, na semana passada, já como parte do 4º Festival Internacional de Artes Cênicas.
Em todas as montagens –apesar de Gerald Thomas ter cortado, assustado, e sem necessidade, a sua reveladora apresentação– o resultado foi impressionante. Do gigantismo do teatro ritual de massa, com Zé Celso, à religiosidade do teatro ritual intimista, com Romero de Andrade Lima.
Um resultado muito diverso daquele, por exemplo, de uma apresentação de "Romeu e Julieta", com o grupo Galpão, dirigido por Gabriel Villela, na violenta e pouco inspiradora praça da Sé, a duas quadras dali. No caso, o lugar espantou o melhor do espetáculo.
Mas "No Mesmo Barco – A Paixão de Chico Mendes", título completo da peça, nas suas apresentações finais, até domingo, nem vai prosseguir no Páteo do Colégio. Vai para outros pontos de São Paulo, com uma apresentação que merece ser vista, por menos que seja, pelo simplismo, pelo didatismo ecochato que denuncia a si mesmo, no que tem de pior.
A começar das paradas à americana, cantando "stand by the riverside" –e pregando que "derrubar a floresta vai prejudicar o equilíbrio da atmosfera", que "a medicina depende das plantas da floresta: quem sabe quantas curas ainda encontraremos?"
Tem muito mais. No maniqueísmo esperado, de um lado ficam os povos da floresta, os seringueiros, os animais, vestidos de branco. De outro, como caveiras, o político, o "homem pobre", para quem "não importa o amanhã, mas o emprego já", os patriotas.
Todos eles se juntam, o político, o trabalhador, o nacionalista, para acabar com a floresta, construir uma estrada e sobretudo para matar. Derrotados pelos seringueiros e povos da floresta, fogem, mas para planejar. "Seja o que for, coisa boa não deve ser."
E por aí vai, com a entrada em cena de outros muitos malvados, como o McDonald's e o "Governo Brasileiro", em forma de bonecos monstruosos. Eles todos, do homem pobre ao governo brasileiro, através de "Judas", o seu braço armado, matam Chico Mendes.
Chico Mendes não era assim tão ecochato, nem assim tão ingênuo, ou pior, tão maniqueísta ao tratar de assunto complexo como a Amazônia. E o maniqueísmo não cabe no teatro, que torna-se rasteiro, ele sim "político", no que a política tem de mais pobre.

Texto Anterior: Escola de teatro realiza encontro aberto ao público
Próximo Texto: Companhia de Olga Roriz se perde em citações
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.