São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
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Lição de amor

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Não consigo esquecer a resposta de uma pobre menina, sentada nos degraus da Catedral de São Paulo. Sozinha, passara a noite ao relento. Perguntei-lhe o que poderia fazer por ela. Não respondia. Insisti. Olhando-me, com tristeza, disse: "Quero minha mãe". Tinha razão. Faltava-lhe a mãe. Procurei ajudá-la. Depois não mais a vi. Peço a Deus que tenha reencontrado a sua família.
Esta é a condição de muitas crianças e jovens abandonados em nossas ruas. Mais do que isso. É o sinal da indigência profunda de amor em que todos nos encontramos. A mãe possui tesouros de afeto que nenhum outro pode oferecer. Ama sua criatura já antes que nasça. Todos sabemos quanto devemos a nossas mães. Os que não tiveram, quando crianças, esta experiência de amor percebem o que significa por meio dos gestos e expressões de tantas mães que contemplam pela vida.
Quando nações como a Bósnia e Ruanda sofrem a destruição por conflitos culturais e tribais, sentimos o grande anseio de redescobrir o perdão e a estima fraternas.
A melhor escola é o beijo materno. Aprendendo que alguém nos ama, tornamo-nos capazes de acolher os outros com o mesmo amor. À luz da fé cristã, podemos todos contar com a presença materna de Maria. Ela nos ensina a amar. Jesus Cristo nos revela que nos planos de Deus para a salvação da humanidade há um dom muito especial e do qual todos necessitamos; é o dom que Ele nos fez de sua própria mãe. Desde então, os discípulos de Cristo encontram no coração materno de Maria o amparo e o modelo de fé nas palavras e na missão de Jesus. Ela é a mãe que intercede por nós para que sejamos fiéis no seguimento de Cristo e, em especial, ao preceito da caridade.
A devoção do povo de Deus a Maria oferece aos cristãos o exemplo de amor gratuito, aberto a todos, capaz de perdão e esperança.
É desse amor que precisamos. Nestes dias, passamos no Brasil por provas inesperadas: descoberta de mais corrupção, julgamento de congressistas, desilusão diante de candidatos, incertezas sobre medidas econômicas, desemprego, carestia e outros sofrimentos. O esforço para construirmos o Brasil diferente, marcado pela honestidade e promoção do bem comum, exige necessariamente a vivência do amor.
O mês de maio tem este carisma de potenciar o amor em nossos corações. Intensificando a gratidão à mãe, faz-nos captar melhor a beleza da doação daquelas que nos deram a vida.
No plano da fé, o convite a contemplarmos o amor materno de Maria ajuda-nos a renovar o compromisso da caridade cristã. Saudamos assim as iniciativas de amor filial que se multiplicam nas comunidades: famílias reúnem-se em oração, meditação do rosário, crianças coroam com afeto a imagem de Nossa Senhora, visitas aos santuários.
Estive, nesta semana, em Portugal para a comemoração do sesquicentenário de d. Antonio Viçoso, 7º bispo de Mariana. Em direção a Leiria encontrei pelas estradas muitos peregrinos. Jovens e idosos iam a pé para celebrar, a 13 de maio, a festa de Nossa Senhora de Fátima. Lembrei-me ainda da menina pobre nos degraus da Catedral da Sé. Quem não precisa, quem não deseja o beijo materno?

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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