São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
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A guerra dos covardes

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Esta semana está repleta de notícias de impacto: intervenção do Exército na Polícia Federal, conflitos violentos promovidos pelo movimento dos "sem-terra" ou a paralisação de São Paulo devido às greves de motoristas de ônibus e de metroviários. Mas nada é capaz de impressionar tanto como a história de uma empregada doméstica, grávida de três meses, esmagada durante várias horas por carros no Rio.
Mais do que uma história, o atropelamento de Rosilene de Almeida, terça-feira passada, é um símbolo do descaso com a vida humana. Um dos traços mais cruéis no Brasil, hoje, é a banalização da morte, em meio ao sentimento permanente de insegurança.
Rosilene foi atropelada e os motoristas não tiveram o rudimentar cuidado de tirá-la da pista, tantos foram os automóveis que passaram por cima. O corpo foi destroçado. Ela só foi reconhecida pela impressão digital. Está, aí, um resumo do país.
O trânsito reflete com exatidão a falta de cidadania. É uma guerra covarde: alguém armado com um carro contra alguém que só tem a armadura óssea para se "defender". As estatísticas vêm indicando que uma das maiores causas de morte no país são os acidentes de trânsito.
O Departamento Nacional de Trânsito informou ontem que, no ano passado, foram 21.300 vítimas fatais. Outros milhares ficaram paralíticos ou tiveram de passar horas amargas nos hospitais.
A alta velocidade reflete a sensação de impunidade: o motorista sabe que dificilmente acabará na cadeia. O fato é que ele é um criminoso, mas nem mesmo vai perder sua carteira de habilitação –e aí, na prática, existe a conivência do poder público.
PS – A propósito, um dos sinais mais gigantescos dessa irresponsabilidade está em muitos pais. Há os que aceitam que o filho, menor de idade, dirija; outros até estimulam. Na prática, estimulam o homicídio. Está provado através de dezenas de estudos psicológicos que, em geral, adolescência e velocidade, especialmente quando combinadas com bebida, têm revertido em desastre.

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