São Paulo, sábado, 14 de maio de 1994
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As artimanhas do condomínio

ROBERTO FREIRE

A lei eleitoral em vigor, agora revisada parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal, em nenhum momento honrou a tradição legislativa democrática do Congresso Nacional. Fruto de estratégias equivocadas voltadas para as eleições de 1994, ela na verdade representou uma espécie de condomínio político gerado pelos médios e grandes partidos.
Quando era discutida, o PPS foi voz quase isolada no plenário ao evidenciar o caráter antidemocrático e excludente da lei. Casuística em toda a sua formulação, ela na prática só faltava nominar os candidatos de cada partido aos pleitos majoritários, pois recorria a índices de votações passadas para cassar direitos futuros.
Erraram os formuladores da lei quando a imaginaram um instrumento eficaz para conter a dispersão da representação partidária no Congresso Nacional. Ao buscar mecanismos visando inibir o que se chamava "legendas de aluguel", acabou por atingir o direito do cidadão de se organizar e perpetrou um atentado contra a democracia.
Se a própria Constituição consagra o princípio da liberdade partidária, querer proibir partidos considerados pequenos de participar de pleitos eleitorais é sacrificar o princípio de todo o regime democrático, que é a alternância de poder.
Os partidos costumam nascer pequenos, crescer e morrer, pois são instituições que acompanham o pensamento humano e os interesses históricos de toda a sociedade.
Um exemplo do dinamismo do regime democrático –que realça o papel nefasto representado pela nossa lei eleitoral– vem da Itália. Lá, a Constituição não dispõe sobre partidos e sua organização é livre como qualquer associação formada pela ação da cidadania. E foi essa liberdade que permitiu a oxigenação da vida política italiana, apesar de considerarmos um retrocesso a vitória de Berlusconi.
Historicamente, no Brasil, as legendas de aluguel não são aquelas com pequena densidade eleitoral. Basta vermos o atual mapa da sucessão presidencial brasileira para percebermos que os partidos de ocasião estão representados por siglas conhecidas e que buscam candidatos a qualquer preço para não submergirem às urnas. Muitas delas contam com governadores, ministros, bancadas parlamentares expressivas e procuram, inclusive, se vender como sérias aos olhos da opinião pública.
Se a decisão do Supremo Tribunal Federal tivesse sido proferida antes dos prazos fatais de filiação partidária –esta questão ainda está em análise por aquele pleno– a história política atual estaria muito mais rica e menos marcada pelo maniqueísmo, tendo em vista que o quadro partidário pós-CPI não representa mais os anseios da sociedade e da opinião pública. Mas ela já ajuda a corrigir distorções e a flexibilizar um pouco mais o enrijecido processo sucessório.
O voto do STF contém uma lacuna: os partidos com registro provisório e sem representantes no Congresso Nacional continuam impedidos de disputar as eleições. Esperamos que o STF triture esta última pedra antidemocrática na busca da plena liberdade partidária.

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