São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Desenvolvimento econômico e o papel das Bolsas

ROBERT JOHN VAN DJIK

Muitas pessoas não se deram conta da valorização das ações de estatais
ROBERT JOHN VAN DIJK
Até algum tempo atrás, o mercado de capitais era lembrado, no Brasil, muito mais por suas fases de dificuldades ou de crises do que propriamente por sua eventual contribuição ao processo de desenvolvimento econômico. Mesmo hoje, as Bolsas de Valores ainda evocam, para muitas pessoas, um ambiente de grande mistério.
Às vésperas da virada do século, porém, não faz mais sentido cultivar esses preconceitos em relação ao mercado de capitais. Trata-se de um setor que pode desempenhar um papel extremamente importante numa nova estratégia de desenvolvimento para o país, onde se espera deverá caber ao setor privado o papel de mola mestra dos investimentos produtivos e da geração de empregos.
Mas, afinal, para que serve o mercado de capitais? Que funções econômicas deve cumprir no modelo atual de capitalismo, que reverencia cada vez mais a desconcentração da propriedade e a participação nos resultados das empresas?
Há duas funções clássicas, tradicionalmente reconhecidas como atributos que conferem sentido econômico e legitimidade social ao mercado de capitais.
A primeira refere-se ao papel de intermediação entre poupança e investimento, onde o excedente de alguns torna-se capital para outros, gerando produção emprego e renda (mercado primário).
A segunda é proporcionar liquidez às participações societárias e aos demais ativos financeiros de uma economia. Com esta função, o mercado de capitais viabiliza trocas de posição entre agentes econômicos, permitindo que uma pessoa disposta a se desfazer de um certo título possa transferí-lo para alguém interessado na propriedade deste título. É através desta função (mercado secundário), onde se destacam as Bolsas de Valores, que o mercado avalia os diversos ativos, atribuindo-lhes um preço.
Palco de uma atividade tensa e emocionante, as Bolsas de Valores provavelmente são o elo menos compreendido de toda a engrenagem de funcionamento do mercado de capitais. Poucos têm conhecimento que as Bolsas são entidades que atuam com base em princípios de auto-regulação sobre seus membros –as sociedades corretoras–, e cujas atividades são supervisionadas por um órgão regulador governamental: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Muito poucos sabem que as Bolsas têm mecanismos provadamente eficazes para rastrear e impedir práticas incompatíveis com o ordenamento equitativo e competitivo que se exige de um mercado saudável e eficiente. As Bolsas preservam um ambiente de mercado aberto e competitivo e coíbem quaisquer tipos de tentativa de manipulação de preços. Para tanto, estão em constante vigília, monitorando o comportamento do mercado e exercendo suas prerrogativas de auto-regulação.
E aqui cabe uma palavra para desmistificar o papel que se atribui ao especulador, que por muitas vezes vê-se confundido com um manipulador de preços. Este último sim, é uma figura que deve ser combatida sem trégua pelas Bolsas, na medida em que a credibilidade do mercado repousa na garantia de um ambiente de negócios "fair" e competitivo. E o manipulador de preços corrompe este ambiente.
O especulador, ao contrário, é bem vindo ao cenário dos negócios. Ele assume os riscos daqueles que querem transferí-los, como é o caso de investidores institucionais que administram carteiras de títulos de terceiros. Ao se dispor a assumir os riscos de outros investidores, o especulador contribui para a liquidez dos negócios e, portanto, para a eficiência do processo de formação de preços.
Mas voltemos às funções do mercado de capitais. Capitalizar a empresa e emprestar liquidez aos títulos são as funções básicas do mercado. Não são as únicas, porém. Nos últimos anos, com efeito, o mercado passou a desempenhar um novo e importante papel em vários países, viabilizando a desestatização da economia, a privatização de empresas estatais e alguns ousados programas de democratização de capital, voltados para pulverizar a propriedade acionária sobre amplo contingente da população.
A Grã-Bretanha é o exemplo mais eloquente deste novo papel do mercado de capitais. Em dez anos praticamente todas as empresas estatais do país foram privatizadas e o número de acionistas ingleses cresceu de 3 milhões em 1979 para 10 milhões uma década depois.
Também no Brasil as Bolsas podem assumir este papel, contribuindo para o programa de privatização e para a abertura e democratização do capital das empresas. Muitos ainda não se deram conta da extraordinária valorização das ações das empresas estatais brasileiras nos últimos anos.
Para citar um exemplo, Telebrás, Eletrobrás e Petrobrás valiam (pelo valor de suas ações em Bolsa) em março deste ano, respectivamente, US$ 13 bilhões, US$ 14,4 bilhões e US$ 10,7 bilhões. Ou seja, as três juntas valiam US$ 38 bilhões. No final de 1990 valiam, US$ 253 milhões, US$ 381 milhões e US$ 831 milhões, respectivamente, somando um total de menos de US$ 1,5 bilhão!
Não tivéssemos um mercado de capitais organizado, moderno e cada vez mais atuante, dificilmente estaríamos testemunhando este processo de valorização das empresas. E neste ponto não podemos deixar de registrar a influência positiva da atuação de investidores estrangeiros nos negócios com ações no Brasil.
Ainda que num estágio inicial, a abertura do mercado para o capital estrangeiro tem contribuído para a expansão da liquidez das Bolsas e para o aprimoramento técnico do mercado brasileiro. Trata-se de poupança externa, que vem somar ao esforço nacional de formação de poupança e abrir caminho para a reconstrução dos canais de financiamento de novos investimentos na economia.
Na expectativa de grandes mudanças na economia do país nos próximos anos, os brasileiros esperam ansiosos pela estabilidade e pela retomada do desenvolvimento econômico. Desejamos uma economia aberta, eficiente e marchando rumo à prosperidade sob o comando do setor privado. Também guardamos a convicção de que o novo modelo de desenvolvimento deverá necessariamente contemplar a participação dos trabalhadores no capital das empresas, assim como nos resultados econômicos eventualmente alcançados.
É nesse novo arranjo da ordem econômica nacional que o mercado será chamado a dar sua contribuição. E então ele deverá estar preparado não apenas para cumprir suas funções econômicas fundamentais. Deverá também representar papel destacado no programa de privatização, na implementação de uma política de estímulo à abertura de capital e na viabilização de um projeto nacional de democratização do capital.

ROBERT JOHN VAN DIJK, 36, é vice-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e diretor-executivo da Schahin Cury Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários.

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