São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Música erudita se veste de jeans e malha

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A música erudita contemporânea vive ventos de "fashion". Após um século de fracassos de público (e crítica), ela percebe que deve mudar de público e visual.
Troca a palidez, o fraque e a gravata à Lavallière pelo jeans e a malha e desenvolve anabolizantes do virtuosismo para chegar à grande massa consumidora.
O fenômeno já vem dos anos 80, mas tem se acentuado nos 90. A "Sinfonia nº 3", de Górecki, chegou às paradas do pop em 1993. Até o venerando canto gregoriano entra na sanha do mercado e ganha forma de "hype".
No plano do som contemporâneo, dois selos nova-iorquinos estão na ponta-de-lança da tendência: o Catalyst e o Nonesuch.
O primeiro pretende transformar o conceito de música contemporânea em "Nova Música" e dispor na mesma estante música eletrônica, performática e multimídia.
O segundo mantém fidelidade desde os anos 70 à tradição experimentalista e minimalista, mas cada vez mais aposta na dissipação das fronteiras do erudito com o pop (leia texto à direita).
O Catalyst tem seus cinco primeiros lançamentos trazidos ao Brasil pela BMG-Ariola. A Warner alimenta o catálogo com quatro títulos da Nonesuch.
As duas linhas de produto respondem a uma encruzilhada a que chegaram os artistas de música contemporânea. Eles tentaram em vão conquistar ao longo do século um público acostumado à série romântica que vinha do século 19.
Com idéias sonoras estimulantes feito broca de dentista, esses artistas conquistaram o tomate do desprezo da indústria da música. Agora correm atrás do prejuízo. Pretendem ser mais sorridentes ao ouvido alheio.
Para chegar ao objetivo, estão lançando mão de nomadismo cultural, colisão de gêneros, arcaísmo, "new age" e, óbvio, carinhas novas e bonitas.
A violinista norte-americana Maria Bachman puxa o pacote da Catalyst. Ela reúne no CD "Fratres" todos os dotes. Toca com entusiasmo e virtuosismo, é bonita e tem uma peça exclusiva de John Corigliano, 56: uma sonata que lembra Fauré de tão tonal.
Outra beldade dadivosa é a percussionista escocesa Evelyn Glennye, 29. Ela interpreta obras para percussão e orquestra, do escocês James MacMillan, 34. Peças como "Veni, Veni Emmanuel" utilizam ritmos esfuziantes e harmonias aparentadas de Hindemith e do primeiro modernismo.
O coral Musica Sacra de Nova York comparece com um trabalho que mescla o experimental húngaro Ligetti e a multimídia norte-americana Meredith Monk. "Return to Earth", de Monk, é um divertido oratório de latidos.
O compositor norte-americano Alvin Curran, 56, se encarrega sozinho de tocar um mundo de sintetizadores para se aproximar da orquestra de gamelão indonésia.
O pacote se completa com cinco peças para órgão de Philip Glass com o organista Donald Joyce. O compositor está cada vez mais fácil de ouvir. As peças soam como exercícios sobre consonâncias. Calham ao novo gosto.
Ainda que alcancem uma eficácia, os espécimes recentes da "Nova Música" padecem de uma estética hesitante. A crescente fusão de elementos heterogêneos tende a formar um fermento caótico que não se enquadra na linha de produção. Atinge um ponto cego (ou surdo) da moda. E satura.

Títulos: `Fratres', com Maria Bachman e Jon Klibonoff; `On Eternal Light', com Musica Sacra; `Glass Organ Works', com Donald Joyce; `Veni, Veni, Emmanuel', com Evelyn Glennie; `Songs and Views of the Magnetic Garden', com Alvin Currain
Lançamentos: Catalyst/BMG Ariola
Títulos: `Hydrogen Jukebox', de Philip Glass e Allen Ginsberg; `Einstein on the Beach', de Glass e Robert Wilson; `Sérgio e Odair Assad Tocam Rameau, Scarlatti, Couperin e Bach', com Duo Assad; `Hooddoo Zephyr', de John Adams
Lançamentos: Nonesuch/Warner
Quanto: 20 URVs (cada CD, em média)

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