São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Coréia do Norte usa `desertor' na guerra de propaganda contra o Sul

TERRY MCCARTHY
DO "THE INDEPENDENT", EM TÓQUIO

Não é necessário ter muita imaginação para entender por que pessoas fogem do racionamento de comida, da opressão política e da brutal austeridade comunista da Coréia do Norte para buscar asilo na Coréia do Sul. Mas o que levaria alguém a desertar na direção contrária?
Todos os anos, um fluxo pequeno mas constante de desertores norte-coreanos consegue fugir para a Coréia do Sul, onde o governo os coloca em exibição como pequenos troféus na guerra de propaganda intercoreana.
Rotineiramente, eles contam histórias de rações de arroz reduzidas e de uma quase total falta de carne nos mercados da Coréia do Norte, de campanhas grosseiras de propaganda sobre lealdade e de punições duras para quem quer que desafie a linha política do Partido Comunista.
Este ano o número de desertores está crescendo. Mais de cem trabalhadores dos campos madeireiros na fronteira da Coréia do Norte com o extremo leste da Rússia buscaram asilo em Seul.
Na semana passada, o governo russo chegou a criticar a Coréia do Sul por tentar explorar em demasia, em termos de propaganda, a deserção em massa dos madeireiros norte-coreanos.
Mas agora a Coréia do Norte apresentou seu próprio desertor, um homem que diz ter fugido do cruel sistema capitalista da Coréia do Sul em busca da acolhedora e hospitaleira sociedade do "paraíso dos trabalhadores"liderado pelo "grande líder" Kim Il-sung.
A agência estatal de notícias "KCNA", da Coréia do Norte, difundiu na última sexta-feira uma entrevista com Kim Jae-su, que é descrito como ex-gerente de uma empresa de pesca na Coréia do Sul. Ele teria desertado para a Coréia do Norte depois de passar por um terceiro país.
Kim disse que ele e sua família desertaram porque ele odiava "os agressores imperialistas norte-americanos e os dirigentes da Coréia do Sul, que cortejam os favores dos EUA".
"Quando eu tinha seis anos de idade, soldados americanos invadiram minha casa e violentaram minha mãe. Mais tarde, minha mãe veio a sofrer de insônia e acabou indo embora. Seu paradeiro ainda é desconhecido", afirmou.
Ele disse que planejou sua fuga por algum tempo, antes de finalmente "ir para os braços do grande líder Kim Il-sung e do querido líder Kim Jong-il", referindo-se ao presidente norte-coreano e seu filho e herdeiro, alvos permanentes de culto à personalidade.
Moon Jong-ja, a mulher de Kim Jae-su, disse à "KCNA" que "tudo é maravilhoso no Norte". Comentando o sistema educacional norte-coreano, ela afirmou ter vontade de ter mais dez filhos, por saber que eles teriam escola grátis.
No Sul, disse ela, "uma família precisa de pelo menos US$ 50 mil para pagar a escola primária e secundária de um filho".
Outra versão
Ao mesmo tempo que exultava com a deserção de Kim Jae-su, o governo da Coréia do Norte também ofereceu sua própria versão sobre o destino dos lenhadores "desaparecidos" na Sibéria.
Os campos madeireiros situam-se no lado russo da fronteira e empregam cerca de 20 mil trabalhadores norte-coreanos, que cortam madeira sob contrato com empresas e o governo da Rússia.
Somente este ano, mais de cem lenhadores apareceram no consulado da Coréia do Sul na cidade russa de Vladivostok em busca de asilo político.
"Se o Sul persistir em suas operações de sequestro de nossos dignos trabalhadores e de distorção dos fatos, em desafio às nossas razoáveis advertências, vai acabar sendo obrigado a tomar uma bebida amrga", ameaçou um comunicado do Ministério.

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