São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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Lula, lá

Na semana passada o candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, trocou as caravanas pelo interior do Brasil por uma caravana especial, rumo ao centro econômico e político do mundo, os Estados Unidos.
Lá, em vez da linguagem de comício, Lula teria de explicar melhor seus planos. Em vez de militantes e eleitores, procurou a confiança de banqueiros e investidores internacionais. E lá, como cá, deixou no ar a incômoda sensação de que ainda não tem um projeto definido de governo, à parte intenções louváveis de remediar os males da miséria e da corrupção, que afinal de contas não lhe são exclusivas.
A principal questão que lhe colocaram vários auditórios diz respeito ao tratamento que daria, como presidente, à dívida externa. Como se sabe, depois de 11 anos de negociações, finalmente o governo brasileiro concluiu, com aval do Senado, um acordo para a reestruturação da dívida com os bancos privados. Lula, lá, insistiu num discurso de palanque, não de governo, ameaçando com a moratória e a revisão de um acordo sacramentado pelo próprio Legislativo brasileiro. Ao mesmo tempo, com menos ênfase, chegou a dizer que deixaria de pagar apenas se se encontrasse sem condições de fazê-lo, ou seja, em caso de crise cambial.
Mas logo seu principal assessor, Aloízio Mercadante, azedaria ainda mais a conversa ao prometer "muita dor de cabeça" a William Rhodes, vice-presidente do Citibank e líder do Comitê Assessor dos Bancos Credores do Brasil –vale dizer, a todos os que lhe davam ouvidos.
A viagem de Lula reveste-se portanto de uma inquietante ambiguidade. De um lado, ressalta a própria intenção de ir até o centro do capitalismo mundial, o interesse e a disposição de mostrar-se aberto ao diálogo com aqueles que, na história do PT, estiveram sempre "do lado de lá". De outro, porém, o candidato mostrou-se ainda incapaz de consolidar a imagem de abertura ao diálogo com idéias objetivas sobre o que, afinal, faria caso eleito.

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