São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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Ex-preso faz relato de visita à sua antiga cela

TAHER SHRITEH
DA "REUTER", EM GAZA

O número 12 ainda estava em cima da porta, mas a minúscula cela foi pintada dias atrás e eu não encontrei o lugar onde rabisquei meu nome na parede, em 1991.
Naquela época a Prisão Central de Gaza –"Palácio", como era conhecido da época da administração egípcia, antes de 1967– era um lugar temível.
Durante os 38 dias em que fiquei detido, sendo espancado, impedido de dormir, privado de visão e de calor, tive vontade de morrer só para conseguir sair.
Ontem, eu e outros ex-presos percorremos a prisão que as tropas israelenses haviam deixado para entregá-las a seus novos donos, o povo palestino. Policiais palestinos nos acompanharam em nossa redescoberta do passado.
Levamos algum tempo para encontrar nossas celas. Quando estivemos detidos, éramos obrigados a usar capuzes durante boa parte do tempo e éramos levados correndo da cela até a sala de interrogatório. Muitos presos não viram a luz do dia por meses a fio.
Enquanto andamos pela prisão minhas emoções variavam. Em alguns momentos estive calmo, em outros quase chorei. Alguns ex-detentos gritaram e cuspiram no chão de suas antigas celas.
Naquela época inventamos nomes para cada parte da prisão –uma das poucas maneiras que podíamos manter controle sobre nossas vidas. O grupo de celas em que éramos interrogados era conhecido como "Matadouro".
Uma fileira de cadeiras de criança onde sentávamos, com os olhos vendados, ouvindo os gritos dos outros antes de chegar nossa vez, era o "Ônibus". Uma cela especial onde unidades de ar condicionado jogavam ar gelado sobre nós no inverno, era a "Geladeira".
Hoje minha reação instintiva é exigir que o complexo inteiro seja demolido, para apagar uma geração de memórias dolorosas. Deveria pelo menos ser transformado em hospital ou escola, qualquer coisa menos delegacia ou prisão.

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