São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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Angioplastia tributária

JOSÉ SERRA

Por incrível que pareça, ainda existe uma chance de que o Congresso revisor, antes de suspender suas deliberações, aprove uma agenda mínima de mudanças constitucionais, indispensáveis para que o país conclua, sem grandes danos, a travessia até o futuro governo e uma revisão mais abrangente.
Creio que essa brecha, embora modesta, pode e deve ser aproveitada e, por isso, chamo a atenção para uma emenda que o relator preparou, com a nossa contribuição, alterando dispositivos do sistema tributário. Sei que o tema da revisão já saturou a paciência de muitos leitores. Mas a referida emenda, embora pequena, pois altera apenas nove artigos da Constituição, é oportuna e relevante.
Destaco os pontos principais: 1) elimina impostos (inclusive o IPI e o ICMS) incidentes sobre os investimentos, a agropecuária e as exportações; 2) suprime a cobrança indireta de impostos sobre a produção e viabiliza a redução dos efeitos em cascata das contribuições sociais sobre as vendas (por exemplo, do Finsocial e do PIS); 3) determina que um único imposto federal incidirá sobre as exportações, garantindo uma política nacional de comércio exterior, hoje inviabilizada com a aplicação de impostos estaduais com diferentes alíquotas e objetivos; 4) destina aos Estados e municípios a maior parte da receita desse imposto de exportação, compensando eventuais perdas de receitas; 5) prevê sanções contra importações que caracterizem concorrência desleal à produção doméstica; e 6) dificulta a edição de "pacotes tributários" nos últimos meses ou dias do ano.
O sistema tributário brasileiro sofre de muitos males. Sem curar todos eles, a emenda ataca os principais. É como se representasse uma angioplastia certeira nas artérias do sistema. As pequenas mudanças que promove são mais úteis ao país do que projetos de imposto único, equivocados do ponto de vista da teoria e da prática.
As tendências dos sistemas tributários modernos são as perseguidas no parecer do relator: retirar impostos que recaiam sobre o valor adicionado dos bens de capital e das exportações, diminuir tributos com efeitos em cascata e incidentes sobre a cesta básica da população, sobretaxar a concorrência externa desleal etc.
É urgente aprovar tais correções no sistema tributário por três motivos: a estabilização dos preços, que advirá com a criação do real, a inexorável abertura da economia ao exterior e a necessidade de gerar novos empregos.
Quem resiste às medidas sugeridas? Basicamente alguns governos estaduais, em virtude de supostas "perdas" de receita do ICMS. Convém, então, enfatizar três pontos. Primeiro, essas "perdas", mesmo do ponto de vista estático, são mínimas. Segundo, dinamicamente, ao aumentar a produção e o emprego, seriam compensadas pela maior arrecadação. E, terceiro, seria bom, pelo menos de vez em quando, esquecer o regionalismo e o corporativismo e pensar no Brasil e no conjunto de sua população, hoje tão aflita com o desemprego e as incertezas da situação econômica.

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