São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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Paralelos do sul

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO – Desde 11 de agosto do ano passado está desaparecido o funcionário da Fundação Oswaldo Cruz Jorge Antônio Carelli.
Testemunhas contam que ele foi levado da favela da Varginha, onde morava, após uma batida policial. Confundido com algum criminoso, Carelli foi detido para o interrogatório de praxe.
Nunca mais voltou para casa. Nem mesmo os protestos dos funcionários da Fiocruz fizeram com que fosse localizado.
Conforme o depoimento de um ex-informante da polícia, Ivan Custódio, Carelli morreu após ser submetido a torturas para confessar a participação em sequestros.
O corpo teria sido atirado em um rio da periferia. Carelli teria recebido sumariamente todo o rito da justiça das ruas: acusação, detenção ilegal, tortura, execução e ocultação do cadáver.
A mesma Fiocruz hoje se prepara para blindar seus vidros contra as balas perdidas dos tiroteios entre quadrilhas de traficantes.
A instituição, de comprovada excelência científica, vive de forma emblemática os efeitos da miséria do país. Não pode confiar na polícia e sofre os efeitos da degradação das comunidades que cercam seu campus.

A chegada de Nelson Mandela à Presidência da África do Sul concluiu um processo de concessões da minoria branca do país, que preferiu perder os anéis não apenas para manter os dedos, mas também apostando em ganhos futuros.
Acossados pela imensa maioria de discriminados do seu sistema de segregação, os brancos abriram mão do poder, mas esperam colher os dividendos do ingresso de capitais externos.
Mesmo que Mandela cumpra suas promessas e crie impostos sobre os privilégios dos ricos africâners, essa divisão da renda nacional é uma opção melhor do que ser uma vítima potencial de atentados e revoltas das massas de excluídos.
Ao contrário da Fiocruz, a África do Sul alcançou a chance de retirar blindagens que cercam as cidades.

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