São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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O Supremo e os microcandidatos

JOSÉ FOGAÇA

A autorização para que os partidos sem representação parlamentar mínima lancem candidatos à Presidência da República escancara novamente as portas do oportunismo político, da instabilidade institucional e da corrupção.
De um lado, teremos candidaturas consistentes e sólidas (independentemente do quanto sejamos contrários a elas), representativas das grandes vertentes políticas nacionais; de outro, os aventureiros, os candidatos de si mesmos, os candidatos-Copa do Mundo, que nada têm de importante a fazer ou dizer na vida do país durante quatro anos e que encontram –no período eleitoral– a miraculosa janela das candidaturas à Presidência da República para jogar sobre a população indefesa a sua catilinária inconsequente. Ou para mercadejar impunemente.
Se for reaberto o prazo de filiações partidárias, o país assistirá novamente a um nefando espetáculo: gente mudando de sigla e dinheiro trocando de bolso.
O fato de, em 1989, ter-se sobressaído a candidatura Roberto Freire, em meio a tanta erva daninha, não justifica nem esconde o enorme equívoco que tal processo representa.
O candidato do antigo PCB, hoje PPS, era (e é) uma extraordinária figura da vida pública brasileira, seu partido tinha (e tem) quadros dignos e respeitáveis, mas todos sabem que a estrutura política de um partido como o então PCB, pelas suas dimensões restritas, jamais viabilizaria uma situação real de governabilidade.
Tanto que (vivida aquela primeira experiência, talvez necessária e afirmativa), o próprio Freire tem advogado –aliás, com a seriedade que lhe é peculiar– para as eleições deste ano uma grande conjunção de forças democráticas e populares. E o diz com a ciência e a convicção de quem sabe que essa conjunção é imprescindível à eficácia e à estabilidade do futuro governo.
E justamente aí está o cerne da questão. Que contribuição ao futuro do país, à governabilidade, ao enfrentamento da crise econômica poderão trazer partidos sem história, sem tradição, sem estrutura, sem organização, sem quadros e sem propostas? O que podem trazer ao debate que já não esteja dentro do espectro preenchido pelos candidatos que expressam as grandes correntes de pensamento?
O argumento da liberdade de opinião não vale aqui. Para que uma minoria expresse e faça valer a sua opinião não precisa ter candidato à Presidência da República. É uma falácia dizer que só tem voz e vez no Brasil quem pode lançar candidatura presidencial.
Os partidos são, basicamente, três coisas: povo, ideologia e organização. Um elemento não prescinde do outro. Não basta ter voto e programa de governo. É uma absoluta irresponsabilidade levar ao poder um partido que não tenha uma ampla base de apoio e organização que lhe permita governar com eficiência e sob um clima de paz social.
A não ser que se ache que foi insuficiente a experiência traumática e o pesadelo que o país viveu com a eleição de Fernando Collor de Mello. E estejam todos dispostos a sentar na mesma sala, ligar o mesmo aparelho e ver o mesmo filme de novo.

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