São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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A aliança PFL-PSDB

MARCO MACIEL

Só o preconceito justifica que se tente, ainda hoje, confundir o liberalismo que pratica o PFL com o "laisser-faire", isto é, a liberdade irrestrita do mercado como valor absoluto da democracia. O valor da liberdade só se plenifica na medida em que é democrático. É por isso que não tem sentido associar o nosso liberalismo com o predomínio do mercado sobre os valores fundamentais do sistema democrático. Liberalismo é, portanto, liberal-democracia e o seu preceito fundamental não é só a luta pela liberdade, mas "pari passu" a busca da igualdade, mesmo porque liberdade e igualdade não são valores que se contrapõem: eles devem se condicionar mutuamente.
Confundir o liberalismo de nosso programa com livre cambismo é o mesmo que identificar a social-democracia com o socialismo não democrático.
Se quisermos entender a complexa mecânica do mundo contemporâneo, que faz coexistirem liberais-democracias e sociais-democracias, convivendo lado a lado, perseguindo os mesmos objetivos e alternando-se no poder sem contra-arrestar os valores fundamentais de democracia, basta-nos lembrar do aforismo de Giovani Sartori: "os homens livres são sempre iguais, mas os homens iguais podem não ser livres".
Dessarte, a relação entre o moderno liberalismo e democracia costuma conceber-se como uma relação entre a liberdade e a igualdade.
Isto posto, cabe perguntar: se a relação entre o nosso liberalismo e democracia é uma relação de liberdade e igualdade, que relação existe entre liberal-democracia e social-democracia? Se perseguem os mesmos fins e cultuam os mesmos valores, por que a distinção, se é que ela existe?
O problema não é apenas uma questão semântica. É um problema que as democracias ocidentais estão resolvendo e faz com que as mudanças político-partidárias nesses países entre liberais-democratas e sociais-democratas não alterem os fundamentos políticos, econômicos e sociais dessas sociedades.
Liberdade e igualdade não são, como sabemos, contraditórias entre si. Antes se completam. "Liberdade sem igualdade", afirmara Robert Hobhouse, "é nome de sonora nobreza, mas de pálido significado".
É por isso que, nas democracias ocidentais contemporâneas, sejam elas liberal-democracia ou social-democracia, os valores essenciais continuam a ser fundamentalmente democráticos –a liberdade e a igualdade, não apenas de direitos, mas liberdade e igualdade de oportunidades.
Os liberais do PFL defendem a economia de mercado e os social-democratas a economia social de mercado. Qual a diferença? Os primeiros querem a economia a serviço da liberdade com igualdade de oportunidades. Os segundos querem a economia a serviço da coletividade. A questão reside em saber distinguir que a economia a serviço da coletividade não significa, no caso, o coletivismo do socialismo não democrático, mas, ao contrário, um mercado controlado pelo poder democrático, a serviço de toda a sociedade. E nisso não há distinção entre liberal-democracia e social-democracia. Uns e outros não discutem se deve haver mais ou menos Estado. Todos concordam que tem que haver Estado e, mais do que isso, melhor Estado.
No Brasil, a liberal-democracia e a social-democracia concordam sobre qual deva ser o papel do Estado e sabem que funções pode cumprir o mercado. A liberdade de mercado não pode significar liberdade para estabelecer monopólios, oligopólios ou eliminar a concorrência. Sabem que o Estado deve intervir para reprimir abusos, evitar a concentração do poder, seja ele político ou econômico, e promover, sempre que necessário, com eficácia e rapidez, os mecanismos para assegurar a livre competição.
Da mesma forma, estão de acordo que nas democracias é imprescindível que haja um sistema público de educação, saúde, seguridade social, transportes, comunicações e de segurança, que esses sistemas sejam justos, equitativos e acessíveis a todos, independentemente de quais sejam os beneficiários. Mas, tanto para a "coesão social", de que fala Bertrand Russel, como para o progresso sem o qual se frustram a liberdade e a igualdade, esses sistemas só serão democráticos na medida em que se puder "dar mais a quem tem menos". Esta é a verdadeira coesão social. Nisto consiste a democracia, seja ela social-liberal, seja democrata-social. Enfim, a liberdade democrática pressupõe a coesão social, da mesma forma como a coesão social exige, sem subterfúgios, a prática da liberdade com igualdade de oportunidades. Preceitos que, sem contestação, defendem os sociais-liberais e os sociais-democratas.

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