São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
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Londres tenta descobrir o que é que a Bahia tem

SÉRGIO MALBERGIER
DE LONDRES

Três baianos e um francês estão em Londres para tentar explicar aos ingleses o que é que a Bahia tem de tão especial.
O escritor Jorge Amado, o pintor Carybé, a ialorixá Mãe Estela e o etnólogo e fotógrafo Pierre Verger,são convidados do Festival da Bahia, que tomou Londres este mês.
O festival terá exposição de artes plásticas, festival culinário, rodas de capoeira e um megashow com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa no encerramento.
Os sábios "anciões" –a média de idade dos quatro é de cerca de 80 anos– encarnam a imagem mitológica em extinção da Bahia, forjada pelos romances do próprio Amado, de uma terra que enfrenta a miséria com um sorriso e dançando para seus deuses africanos.
"O povo brasileiro em nenhum momento é um povo vencido", diz Amado. "A pobreza na Bahia não dá mau humor, dá festa", diz Carybé.
"Fazer festa é um sinal de protesto", completa Amado. E alerta sobre a violência provocada pela miséria: "A violência, se perdurar, pode mudar o caráter de um povo".
Ele se considera "um otimista" e argumenta que "ser um pessimista no Brasil hoje é uma atitude suicida".
Pierre Verger, o erudito francês que se instalou na Bahia na década de 30 e captou as imagens mais elegantes (e precisas) da negritude baiana na primeira metade do século, vê no candomblé a origem da boa índole baiana.
"As religiões africanas não são sujas. Não há inferno. Os deuses vêm dançar e conversar com seus fiéis", diz Verger.
Amado resiste à idéia de que a miscigenação entre negros e brancos descrita em seus romances esconde o "apartheid disfarçado" do Brasil, como é a visão do jovem e ativo movimento negro baiano.
"Os jovens do Movimento Negro Unificado têm as cabeças vazias. Ainda pensam nessa coisa de fazer revolução", diz Mãe Estela.
Apesar de ver nas elites brasileiras a origem de nossa miséria, Amado também não quer saber mais de revolução. O escritor foi deputado e militante do extinto Partido Comunista Brasileiro.
Amado vê na campanha do Betinho uma "contribuição para a consciência do problema da fome", mas diz que "caridade não resolve" e pede "leis sérias" contra a miséria.
Verger tem uma resposta insólita para explicar por que os negros de hoje na Bahia não têm mais a elegância retratada em suas fotografias.
"Antes todos os negros vestiam branco e as mulheres ganhavam dinheiro lavando roupa", conta Verger. Com as máquinas de lavar ("essas máquinas onde a gente põe a roupa suja e a tira mais suja ainda"), elas perderam seus empregos e sua fonte de renda. "Hoje os moleques estão roubando nossos relógios".
Na noite de anteontem, Jorge Amado e o crítico literário José Olinto lotaram um auditório do ICA (Institute of Contemporary Arts). Cerca de 150 pessoas (mais algumas que ficaram de fora), metade de brasileiros, foram ver e ouvir o mais famoso escritor brasileiro vivo.
Amado, apresentado por Olinto como "a voz do povo", foi logo dizendo que odeia dar palestra e que estava abismado com as duas horas reservadas para ele falar.
Preferiu contar casos da Ilhéus de seu tempo, onde as palestras eram a forma mais elevada de cultura ao alcance da elite local.
Muitos dos ingleses levaram cópias do livro "O Sumiço da Santa", lançado recentemente na Inglaterra com o título "The War of the Saints", para serem autografadas e ficaram encantados pelo carisma do escritor e suas histórias de sexo, política e candomblé.
"É uma figura impressionante", disse Dean Glover, 23, que está se formando em Portugês na King's College e levou três horas para ler a primeira página de "Mar Morto" no original.

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