São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
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A praga

Assim como ocorreu com o Collorgate e com a CPI do Orçamento, também com relação ao escândalo do jogo do bicho o país corre o risco de ficar com a irritante sensação de que se fez muito pouco diante de tudo o que havia por fazer.
Não se trata de negar que há alguns resultados preliminares até animadores nas apurações da chamada lista do bicho. Foram apresentadas denúncias contra dezenas de pessoas, de policiais civis a advogados, e agora um juiz carioca foi afastado do cargo sob suspeita de corrupção. Aliás, em se tratando de um membro do Judiciário, Poder que tem ficado à margem das cobranças por moralização, não deixa de ser um evento digno de nota.
Ainda assim, diante do histórico das relações do poder público com o jogo do bicho no Brasil, fica difícil acreditar que as investigações possam fazer mais do que arranhar a superfície do problema. De fato, essa contravenção há décadas floresce, livremente, sob os olhares no mínimo complacentes de autoridades de todo o país. Seria ingenuidade subestimar a força e a amplitude dos vínculos subterrâneos estabelecidos ao longo desse tempo entre os bicheiros e elementos em todas as variadas instâncias do Estado.
A própria prisão dos banqueiros do bicho é um exemplo cabal da resistência a qualquer mudança real nesse status quo. Apesar de todo o alarde feito quando os "capos" do jogo foram encarcerados, qualquer cidadão que quiser pode ainda hoje fazer sua aposta, normalmente, em esquinas de todo o país. O pior, porém, é que a continuidade do bicho sugere a continuidade também de toda a perversa rede de ilegalidades que cresceu sob a sua sombra, da corrupção ao narcotráfico.
Constatar a magnitude do problema não pode contudo justificar a passividade diante dele. Pelo contrário. Por menor que seja, cada passo na direção correta deve ser saudado como positivo. O que evidentemente não é positivo –e o que a população já está cansada de ver– são investigações que não vão além dos primeiros passos.

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