São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 1994
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"Conosco ninguém podemos"

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não faz muito tempo, coisa de seis, sete anos atrás. Estava em Nova York, em White Plans, havia prometido a mim mesmo que não iria a Manhattan nem que por lá aparecesse o King Kong em cima do Empire State –cena que vi no cinema e me dispensava de ver na vida real. Mas a TV anunciou que um candidato presidencial do Brasil daria entrevistas a banqueiros e empresários –tomei o trem e lá fui eu. Sentei-me ao lado de Anna Maria Tornaghi e presenciei, de corpo presente, o vexame.
A platéia era de brasileiros, 80% para cima. O resto era gente da mídia, havia um ex-senador do Texas e um futuro deputado do Arkansas. Fiquei admirado da cara de pau geral –da minha, inclusive. Ninguém acreditava no que estava dizendo e muito menos no que estava ouvindo. O candidato dispunha da vida nacional como se fosse do quintal de sua casa: – "Farei isso, farei aquilo". Como ainda havia a Guerra Fria, ele jurou que promoveria um encontro entre Reagan e Gorbatchov: os dois se apertariam as mãos e comeriam um vatapá em Itaparica. Também não havia problema para a questão palestina: o candidato tinha uma fórmula devastadora para a paz no Oriente Médio, pois era amigo de Kissinger e popular no Saara –um minibairro aqui do Rio onde judeus e árabes vendem tecidos, bugigangas e quibes.
Saí de lá acreditando que o errado era eu. Não podia imaginar que o Brasil fosse tão transcendental para a paz mundial. Quanto aos males internos, eu sabia que o candidato, se eleito, não teria um terço no Congresso, não poderia decretar um luto nacional sem fazer pesadas concessões.
No dia seguinte, os jornais locais ignoraram o admirável mundo novo que fora apresentado. Numa sétima página, havia três linhas noticiando a presença do candidato num ensaio da Broadway.
Parece que as coisas mudaram. Lula foi levado a sério nessa recente viagem. Gostaria de vê-lo agarrado à torre do Empire State, com a mocinha nos braços, mostrando ao mundo que "conosco ninguém podemos".

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