São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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Da Redação

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

O que foi o "western spaghetti" que este "Por um Punhado de Dólares" inaugurou? Num primeiro momento, uma heresia: como, então, um cineasta italiano podia abordar um gênero norte-americano por excelência, em que a história e o mito do nascimento de uma nação se tocam?
Pior: filmava na Espanha, com um bando de atores europeus se fazendo passar por mexicanos e um caubói obscuro, embora americano (Clint Eastwood).
Nada mais natural, porém. Leone vinha de uma tradição de filme popular (o "peplum", produção baseada na antiguidade greco-romana), em que o mito, a história e a imaginação também se encontravam.
Parêntese: não seria demais esperar que alguma distribuidora esperta trouxesse para o Brasil estes primeiros filmes de Leone, ou os de Vittorio Cottafavi.
No mais, o faroeste –pelo que representa para a América, para o cinema e para a indústria– é o sonho de todo cinéfilo. Mesmo quem não tenha posto os pés nos EUA tende a um amor natural pelo gênero.
A operação que "Por um Punhado de Dólares" inaugura é, portanto, singela e complexa. Em um primeiro nível, trata-se de uma imitação pura e simples do faroeste americano.
Em um segundo nível, mais complexo, existe a impossibilidade dessa imitação. É a partir daí que as coisas se tornam interessantes. Vejamos o enredo: Clint é um forasteiro que chega a uma cidade de fronteira dominada por duas famílias sanguinárias.
Ficar com uma ou com outra é impossível. Clint está no meio de ambas. E convém que seja arisco o bastante para não virar alvo privilegiado. Mas essa cidade é uma abstração. Ali não parece haver vida real. Não existem comerciantes, fazendeiros. Nada.
Tudo é uma formidável fantasmagoria. O lugar exato e perfeito para exercitar um sonho e tornar real as fantasias de cinéfilo.
Poucos pistoleiros no mundo atiraram tão bem quanto Clint neste filme (todos vieram depois dele). É capaz de abater meia dúzia de vilões num piscar de olhos, antes que eles pensem em sacar suas armas.
A velocidade do pistoleiro não tem nada de real. É uma arbitrariedade a que apenas os sonhos e os sonhadores se permitem.
É verdade que Sergio Leone faria melhor, a seguir (não tão melhor assim, em todo caso). Isso não diminui em nada o prazer desta revisão: "Por um Punhado de Dólares" é o luxo da mais pura, mais livre e mais talentosa imaginação.
(Inácio Araújo)

Filme: Por um Punhado de Dólares
Direção: Sergio Leone
Elenco: Clint Eastwood, Gian Maria Volonté, Marianne Koch
Distribuição: Reserva Especial

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