São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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O maior desafio da CUT

JAIR MENEGUELLI

O 5º Congresso Nacional da CUT tem para mim duplo significado. Primeiro, este será o último congresso da CUT que presidirei. Segundo, é um congresso decisivo devido às mudanças que ocorreram no mundo na última década e que desafiam o movimento sindical brasileiro e internacional.
O Brasil, assim como outros países da América Latina, vive profundas transformações no seu modelo de produção através da crescente transnacionalização do mercado interno, que provoca mudanças na organização das empresas, flexibiliza os métodos e processos de trabalho, reduz os custos trabalhistas e dos salários e pulveriza as negociações coletivas.
A selvageria do chamado ajuste, ou "modernização" da economia, fez com que o setor industrial brasileiro, entre 1988 e 1993, baixasse de 6,5 milhões para 4,3 milhões de trabalhadores e, no final de 1993, cerca de 7 milhões estivessem desempregados.
Crescem a precarização do emprego, a terceirização da economia e a implantação dos programas de qualidade total, de polivalência e de produtividade, provocando a desprofissionalização dos trabalhadores e um inchaço do setor informal.
Ao mesmo tempo, cresce a pressão patronal pela desregulamentação trabalhista. A CUT foi e é contra o modelo sindical corporativo e atrelado ao Estado. Mas não se pode aceitar a inexistência de respeito e de garantias de patamares mínimos de direitos dos trabalhadores.
Contribuímos para a formulação de um novo modelo de desenvolvimento e para a ampliação da democracia, ainda muito frágil em nosso país.
Encaramos o desafio da participação em fóruns tripartites onde se discutem as políticas públicas –saúde, educação, política industrial e agrícola etc., além dos conselhos de gerenciamento dos fundos sociais. Mas, para que isso seja eficaz, é necessário o reconhecimento da participação dos trabalhadores nas empresas.
Consideramos, também, os desafios da globalização e da regionalização da economia. Particularmente para o Mercosul (Mercado Comum do Sul) defendemos que os projetos de reconversão industrial e agrícola e a definição da tarifa externa comum sejam baseados nos requisitos de novos modelos de desenvolvimento e de uma política de complementaridade. Consideramos imprescindível a democratização desse processo, através da criação de organismos que permitam a participação da sociedade no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.
O emprego tornou-se o primeiro ponto de pauta da agenda sindical mundial. A defesa de barreiras e medidas protecionistas não resolverá o problema, pois hoje mais da metade do volume do comércio mundial é praticado dentro de áreas econômicas integradas e as decisões das políticas nacionais são determinadas, em grande parte, pelas estratégias dos grupos transnacionais.
O "dumping social" somente será eliminado com uma atuação decisiva e unificada das organizações sindicais de todos os países em defesa do cumprimento das normas internacionais do trabalho e com o fortalecimento da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
É fundamental que a atuação solidária que temos recebido das centrais sindicais dos países mais desenvolvidos inclua também a exigência de que os grupos multinacionais apliquem nos demais países a política trabalhista e salarial que aplicam em suas matrizes. No mínimo.
A CUT nasceu sob o signo da solidariedade. Temos recebido um apoio decisivo, particularmente do sindicalismo europeu, que nos permitiu, ao longo desses anos, dar saltos em nossas experiências. Solidariedade que nos levou a conhecer os demais países da América Latina e a desenvolver um apoio ativo às lutas pela democracia em nosso continente.
Hoje temos um relacionamento estreito com nossos vizinhos, além de relações com organizações sindicais dos quatro continentes. Passamos a conhecer novas realidades, aprendemos com os erros e acertos.
Neste 5º Congresso, podemos nos orgulhar de reunir representantes de 2.227 sindicatos filiados, abrangendo praticamente todas as categorias profissionais, no campo e na cidade, no setor público, na indústria e no setor de serviços. São mais de 5 milhões de associados e um universo de mais de 18 milhões de trabalhadores representados pelos sindicatos da CUT nas negociações coletivas.
O que parecia um sonho em 1983 cresceu e se tornou uma realidade.
Um sonho e uma história de luta por democracia e pelo respeito entre seres humanos. Idéias que compartilhamos no Brasil e no mundo.
Uma das minhas últimas atividades internacionais foi representar a CUT no congresso da Cosatu, a Central Sindical da África do Sul, antes das eleições. Testemunhei o papel daqueles companheiros na derrota do racismo e da segregação social naquele país. Uma vitória da humanidade.
Enquanto houver discriminação entre seres humanos não haverá democracia e o verdadeiro progresso que nós todos queremos. Este foi e continua sendo o maior desafio da CUT.

JAIR ANTONIO MENEGUELLI, 46, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

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