São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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O setor elétrico e o governo federal

ANTONIO CARLOS BONINI DE PAIVA

O país passou décadas cobrando regras claras e definitivas para o setor elétrico. Em março de 93 elas surgiram na lei nº 8.631/93, fruto de democrática negociação e consenso entre os segmentos interessados: Ministério de Minas e Energia (Dnaee e Eletrobrás), Ministério da Fazenda (Secretarias do Tesouro, de Política Econômica e da Receita Federal), governos estaduais, as concessionárias, diretamente ou por suas associações representativas (Acesa e Aedenne), os Tesouros estaduais, a iniciativa privada, pela ABCE (concessionárias) e Abrace (consumidores).
Juntos, estes segmentos forneceram ao Congresso Nacional condições para elaboração de uma lei que levasse o setor elétrico ao equilíbrio financeiro e econômico. A partir daí, pôde-se realizar um encontro setorial de contas entre as concessionárias e a União.
Com a desequalização das tarifas abriram-se os caminhos para a competitividade entre as empresas, para os processos de captação de recursos financeiros necessários à retomada dos investimentos, via mercado acionário, inclusive com maior democratização do capital.
Criaram-se os mecanismos fundamentais para restabelecer-se a adimplência geral, garantida pela recuperação tarifária. As regras ficaram claras quando se estabeleceu que os níveis tarifários seriam propostos pelas concessionárias e homologados pelo poder concedente, com base no custo do serviço. Os reajustes seriam calculados mediante a utilização de fórmulas paramétricas e respectivos índices.
Enfim, o setor elétrico encontrava seu ponto de equilíbrio, regendo-se pelas leis de mercado, sem a interferência casuística do governo federal.
Então vem a surpresa: volta o ranço autoritário federal, com a edição de uma medida provisória, a de nº 434, de fevereiro de 1994, reeditada em 29 de março com o nº 457, atrelando a definição das tarifas, "enquanto não emitido o real" aos "critérios estabelecidos pelo ministro (grifo nosso) da Fazenda".
De novo o engôdo de segurar a inflação, contendo as tarifas.
Este reeditado equívoco torna-se agora ainda mais grave, pois, substituído o conceito de remuneração garantida vigente antes do advento da lei nº 8.631/93 pelo de tarifas pelo custo, as concessionárias, seus acionistas, os Estados e até o Congresso Nacional que aprovaram tal alteração, vêem-se enganados pela decisão arbitrária do retorno da fixação de tarifas pelo governo federal.
Quanto aos encargos criados pela lei nº 8.631/93 e vinculados à prometida recuperação tarifária, deseja este mesmo governo que continuem sendo honrados, como se o dinheiro brotasse no ventre das concessionárias.
A pretexto do ajuste econômico, em que os preços passaram a ser regidos pela Unidade Real de Valor, o primeiro reajuste tarifário causa espanto em alguns setores, como se estivesse ocorrendo um escandaloso tarifaço.
O assunto ganha as manchetes dos jornais, criando o clima que faltava para mais intervenção a dano das concessionárias, mas que certamente deixou contentes pequenos grupos há muito beneficiados com tarifas subsidiadas, ou aqueles famosos defensores do que se conhece por "privatização selvagem", a quem quanto mais sucateadas as concessionárias, melhor.
A bem da verdade, informe-se que enquanto há quem pague menos de US$ 30 pelo MWh que consome, o consumidor residencial está pagando mais que US$ 90 pelo mesmo MWh.
Não se iludam estes ou aqueles segmentos: as consequências virão e a opinião pública as conhecerá, certamente.
É preciso esclarecer que, com a contenção tarifária, a União não arrecadará das empresas o Imposto de Renda convencionado na lei nº 8.631/93, que lhe garantirá os recursos para custear o serviço da dívida assumido nos acordos firmados com as concessionárias para compensar a CRC, caracterizando-se, assim, uma imensa transferência de recursos, sem fonte de arrecadação.
A Eletrobrás arrecadará menos RGR. A União será atingida por inúmeras ações judiciais para defender os direitos legítimos das concessionárias prejudicadas. Haverá, com certeza, uma nova ciranda de inadimplências, em que a primeira a ser atingida será a própria União, responsável pela energia de Itaipu, aliás a mais cara cobrada no setor elétrico.
As concessionárias terão o valor de mercado de suas ações diminuídos, pela insuficiência tarifária e de resultados, com sérios prejuízos a seus acionistas. Aqui deve-se perguntar como ficam os acionistas que se dispuseram a investir capital confiando na lei nº 8.631/93?
Quem sabe quanto de recursos dos mercados de capitais (no Brasil e no exterior) estaria à espera do setor elétrico brasileiro?
Estes potenciais investidores se interessariam por aplicar recursos num setor sujeito a intervenção constante e com regras que mudam a todo momento?
A quem se quer enganar acenando com uma privatização que, mantida a política tarifária sinalizada pelo governo federal, só apresentará resultados negativos?
Salvo algumas exceções, todos perdem com a contenção tarifária. Além de não reduzir a inflação, levará ao desequilíbrio orçamentário das empresas com pressão no déficit público, uma das principais matrizes geradoras dessa mesma inflação.

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