São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Semana da Crítica promove filmes de diretores estreantes

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE CANNES

Seis dos sete filmes programados pela seleção paralela Semana da Crítica do 47º Festival de Cannes são filmes de diretores estreantes. Todos eles já exibidos nesta primeira semana do festival e concorrendo a um prêmio aproximado de US$ 200 mil e o prestigioso troféu "Camera d'Or".
Eles são do palestino Rashid Masharawi ("Toque de Recolher"), do americano Kevin Smith ("Clerks"), do uruguaio Pablo Dotta ("El Dirigible"), do francês Jacques Audiard ("Olha eles Morrendo"), o norueguês Ole Bornedal ("Body Keepers") e o iraniano Ebrahim Mokhtari ("Zinat").
"Um não-filme de um não país". Esta é a definição do uruguaio Pablo Dotta, 24, para seu filme de estréia, "El Dirigible".
O filme parece uma confusão proposital sobre os mitos de um país em busca de uma identidade. Cabe a uma personagem francesa (Laura Schneider), o papel de excitar a imaginação de quem não está preparado para ver um filme sem pistas sobre sua real intenção. Entre as muitas imagens rebuscadas "El Dirigible" reserva uma especial para Laura Schneider: reproduzir a imagem do seu sexo, sentada sobre uma copiadora.
"Body Keepers" reúne todos os elementos que um cinéfilo do gênero horror deve guardar na memória até escrever seu primeiro filme: clima asfixiante, perseguições elípticas, muito sangue e sábios toques de humor negro.
O resultado, antes de chegar a Cannes: o maior sucesso dos últimos 12 meses na Dinamarca. Entre gente bonita ou desfigurada fica a posição solitária de um jovem estudante que trabalha de noite como vigilante em um Instituto Médico Legal. Um psicopata que mata e escalpa prostitutas vai lhe dar trabalho extra fora e dentro do seu horário de trabalho.
"Zinat" tem cara de filme de propaganda, mas decidido a romper com a conivência oficial aos valores machistas que se acentuaram com os aiatolás no poder.
Zinat é uma jovem doutora que trabalha na zona rural do Irã. Os pacientes desconfiam das suas vacinas e seus pais não a querem mais ver trabalhando para não perder a chance de casá-la rapidamente. Como se tem visto nos filmes iranianos, o drama permite documentar a realidade social de um tempo de muitas mudanças.
"Toque de Recolher" é um documento vivo da diáspora palestina. O diretor nasceu em 62 no campo de refugiados de Gaza. Suas imagens reproduzem a claustrofobia exercida pela moral conservadora da família, as ruas em permanente tensão de guerra e principalmente a noite, quando a sobrevivência está em não se dobrar à humilhação imposta cotidianamente pelos soldados invasores de Israel com o toque de recolher.
"Clerks" revela uma parcela da juventude de New Jersey que sobrevive e dá a volta por cima de alguns sonhos americanos vivendo de pequenos sonhos e expedientes.
"Olha eles Morrendo", de Jacques Audiard, retoma a inspiração francesa de filmes policiais. Outro estreante cinéfilo que aplica com disciplina o que aprendeu vendo o cinema dos outros.
Em meio à originalidade e efervescência de novos talentos, a cada novo filme que se termina de assistir, repete-se o mesmo sentimento de dó do Brasil.
O hábito interrompido de não se contar mais filmes brasileiros nas seleções de festivais internacionais pode ter vitimado o até agora melhor filme nacional do ano, "Alma Corsária", de Carlos Reichenbach. Nada justifica sua ausência em qualquer uma das seções de Cannes.

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